segunda-feira, 11 de março de 2013

Livro 70: Precious (Sapphire)

Precious Jones é uma adolescente negra, obesa, semianalfabeta, moradora do Harlem, que espera um filho do próprio pai. Só pela descrição da personagem principal já se pode imaginar o drama que nos espera nas páginas seguintes. Porém, não se engane. Esta é uma história de esperança e de superação. A história de alguém que vive todas as perdas possíveis, antes mesmo de chegar à vida adulta, e consegue, quase por um milagre, transformá-las em vitórias.
Desde criança, Precious, cujo verdadeiro nome é Clareece sofre abusos e violência, tanto do pai quanto da mãe.  Sua primeira gravidez foi aos 12 anos, quando deu à luz uma menina com Síndrome de Down, hoje criada por sua avó. Agora, aos 16 anos, ela está grávida novamente. De seu próprio pai.
A mãe, ao invés de protegê-la, comporta-se pateticamente e a acusa de ter "roubado seu homem". Todos que deveriam amá-la são os que lhe roubam a esperança até o momento em que uma porta se abre: a porta de uma escola alternativa.
Escrito em primeira pessoa, pela norte-americana Saphire, o livro conta a história de Precious a partir do momento em que é encaminhada para um programa de ensino alternativo para adultos. Lá ela conhece a dedicada professora Blue Rain e tem contato com outras meninas com histórias tão sofridas quanto a sua. Novas relações que acabam lhe dando um significado como ser humano. No começo, ela mal abre a boca não consegue expressar sua dor, nem pela fala nem pela escrita. Com a ajuda de Blue Rain,ela começa a repensar sua história.  Através do diário de Precious, que é sua forma de conversar com a professora, ficamos sabendo o que ela pensa e sente.

“Quero falar que sô alguém. 
Quero falar isso no metrô, na TV; 
no cinema, ALTO. 
Vejo as caras cor de rosa de terno 
olhando por cima da minha cabeça. 
Vejo eu desaparecer nos olhos deles, 
nas prova deles. 
Falo alto, mas mesmo assim eu não existo.”
Com uma escrita insegura, ela narra o momento que vive, pontuando com lembranças de sua infância e dos abusos sofridos pelos pais. Segundo seu relato, sofrendo maus tratos tanto em casa quanto na antiga escola, ela não conseguia aprender as matérias. Seu medo de se expor era tanto que sentava-se na cadeira e ficava ali até a aula acabar. Aos poucos consegue escrever num caderno sua dor, seus medos, o abuso que sofria dos pais, seu amor pelo filho Abdul, apesar das circunstâncias em que foi gerado. Nas palavras de Precious, ela é “uma criança, mãe de outra criança”.
“Pra mim isso não é nada novo. Sempre teve alguma coisa errada com as prova. As prova dá uma ideia de que eu não tenho cérebro. As prova dá uma ideia de que eu e minha mãe, minha família inteira, que a gente somos mais do que idiota, a gente somos invisíveis”.

Sua imagem de si mesma é tão baixa que ela costuma dizer que seu maior sonho era ter nascido “branca, ter cabelos longos e ser magra.” Ela acredita que as meninas brancas têm mais sorte e fica muito surpresa ao descobrir que abusos e maus tratos também acontecem com elas. Com uma existência completamente fora dos padrões, Precious não tem referência de família. As pessoas mais próximas dela são as que mais a feriram e desprezaram.  O sexo para ela é associado à figura do pai e ela sente muita raiva por sentir repulsa por ele e seu corpo não sentir o mesmo. Outros questionamentos surgem quando ela pensa sobre a professora Blue Rain, que é lésbica. Inicialmente ela ela tende ao preconceito para depois constatar que “não foram os homossexuais que me machucaram.”.
Adquirindo mais confiança, a escrita de Precious, antes hesitante, torna-se mais forte e
cheia de imagens poéticas. A menina que não sabia o que era amor, descobre o sentimento no próprio filho, no apoio de uma professora atenciosa e na figura de amigas tão sofridas quanto ela.
Mesmo com sua vida ganhando novo rumo e recebendo pela primeira vez a ajuda de pessoas que realmente se interessam por ela, o drama de Precious parece não ter fim. Seu pai morre de Aids e, pouco depois, ela descobre que também é soropositiva. Mas na escola atual, ao contrário de rejeição, ela recebe ainda mais apoio para prosseguir. “A assistente social diz que eu posso viver muito. Eu pergunto quanto, ela não diz”.
Será um árduo caminho até Precious conseguir descobrir seu próprio valor, seu papel no mundo e sua força. 
O principal atrativo da obra de Sapphire é a forma crua com que desenvolve a narrativa e como a personagem cresce a cada página. De início, confusa e desconexa, sua linguagem aos poucos se torna mais articulada e poética. O que antes eram palavras soltas começa a ganhar significado. Através do diário de Precious, com erros de grafia e concordância, conseguimos constituir sua imagem, muito mais do que qualquer descrição da autora. É Precious quem ganha voz. É Precious quem se apresenta para nós, em toda a sua verdade.
Uma obra contra o preconceito, contra a opressão, contra a violência. Um grito em favor das crianças que sofrem abusos. Um ato em defesa dos oprimidos, dos rejeitados, dos discriminados, que buscam seu lugar no mundo.
O que poderia virar um dramalhão dispensável se torna uma história densa, triste e envolvente. Precious é carismática e nos conquista por suas indagações sobre o que é a sua vida. Com uma escrita rasgada que causa repulsa e compaixão ao mesmo tempo, a obra de Saphire é visceral e um tapa na cara do leitor, que passa a questionar como um ser humano pode ser tão sufocado e oprimido e ainda assim conseguir se reconstruir. Uma lagarta se tornando borboleta (como se vê na bela imagem da capa do livro). Ao ler Precious temos a nítida sensação de que todo mundo tem sua beleza. A de Precious não está aparente. E no entanto, ela enche os olhos. Basta sabermos enxerga-la.

No cinema, a obra ganhou uma adaptação para o cinema, fiel e tão forte quanto a obra original, com a participação de Mariah Carey e Lenny Kravitz, rendendo Oscar de Melhor Roteiro Adaptado e de melhor atriz para a norte-americana Mo´Nique.



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