sexta-feira, 29 de março de 2013

Livro 88: Dom Casmurro (Machado de Assis)

Escrito em 1899, o romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, completa a trilogia realista do escritor, junto com Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba. Considerado a obra-prima do Bruxo do Cosme Velho, foi traduzido para vários idiomas e é fundamental para se conhecer a literatura brasileira.
Livro obrigatório nas escolas, sempre inserido nas provas de vestibular, conquistou a injusta fama de enfadonho, apenas porque a maioria das pessoas não se dá ao trabalho de lê-lo com outros olhos, fora do ambiente escolar. Dom Casmurro é sim, uma leitura saborosíssima. 
Ambientado no Rio de Janeiro do Segundo Império, o livro usa como recurso a narrativa, escrita em primeira pessoa. Quem conta a história é o personagem principal, Bento Santiago, descrevendo sua vida desde a meninice até a maturidade, o romance e casamento com a vizinha e amiga de infância, Capitolina, a quem todos chamavam Capitu.
"Conhecia as regras do escrever, sem suspeitar as do amar; tinha orgias de latim e era virgem de mulheres."

"Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem".
O relacionamento, que começa carinhoso e quase inocente, com brincadeiras no quintal, após o casamento e o nascimento do único filho, Ezequiel, evolui para uma união sombria, cheia de desconfiança por parte de Bentinho, a respeito da paternidade da criança.
O alvo das suspeitas é justamente o melhor amigo de Bentinho, de seus tempos de seminário, Escobar, que se casara com outra vizinha, Sancha.
Com uma abordagem ousada, que se divide entre os ciúmes de Bentinho e a ambiguidade de Capitu, Dom Casmurro recebeu inúmeros estudos, adaptações e interpretações, tanto psicológicas quanto psicanalíticas ao longo das décadas, sendo considerado um precursor do modernismo.
 Escrito na maturidade do autor, Dom Casmurro traz todas as características presentes na obra de Machado de Assis:  os capítulos curtos, as palavras - mais do que escritas - esculpidas. As dezenas de frases que viraram citações clássicas, atemporais. Os hábitos e paisagens do Rio de Janeiro dos tempos imperiais. A crônica dos costumes, com uma descrição de um Brasil que não existe mais, como se fosse o dia de ontem. O amor juvenil de Bento e Capitu ganhando cores ainda mais escuras: paixão inocente virando angústia, desconfiança, neurose, lágrimas.
E a eterna pergunta que se repete até os dias de hoje, em rodas de estudos ou em bate-papo na mesa do bar: "Capitu traiu ou não traiu Bentinho?"
A respeito da temática que tornou o livro célebre e discutido até hoje, passados mais de cem anos, um dos grandes trunfos do romance é a personalidade da heroína, que prefere calar-se ao invés de se defender. 
 Personagem forte, sempre sobressaindo ante o frágil e inseguro Bentinho, Capitu, com olhos de cigana oblíqua e dissimulada jamais se pronunciou em sua defesa, preferindo exilar-se com o filho no exterior.
O silêncio de Capitu, na verdade foi o silêncio de Machado. 
Jamais disse nem que sim, nem que não, embora tenha deixado pistas distribuídas pelos capítulos. É provável que a explicação para o sucesso da obra venha justamente do fato de o autor ter deixado um véu sobre a questão. Tivesse o romance sido lançado em tempos de Big Brother, teria sido assediado por jornalistas, microfone em punho, a questionar "Traiu ou não traiu?" 
O que torna Dom Casmurro uma obra inigualável é que essa pergunta pode ser debatida, comentada, repetida, mas nunca respondida.
Se certos escritores têm parte com os deuses, como prova sua obra Machado de Assis de Assis não era humano. Situava-se numa categoria acima. Esse brasileiro pobre, mulato, autodidata, criou um estilo que muitos seguem e nenhum consegue igualar. Mais do que o Bruxo do Cosme Velho, Machado de Assis é hoje um dos maiores gênios da literatura mundial. Capitu teria concordado.

"Agora, por que é que nenhuma dessas caprichosas me fez esquecer a primeira amada do meu coração? Talvez porque nenhuma tinha os olhos de ressaca, nem os de cigana oblíqua e dissimulada."

"Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo."

Nenhum comentário:

Postar um comentário