Publicado pela primeira vez em 1955, Lolita é um romance em língua inglesa escrito pelo russo Vladimir Nabokov. Narrado em primeira pessoa, por Humbert Humbert, um homem de meia idade, revela, com espantoso cinismo e refinada ironia sua relação-paixão-obsessão por Dolores Haze, a quem ele chama Lolita. A menina tem apenas 12 anos. O romance foi lançado inicialmente na França, após ter sido recusado por várias editoras. Não é de se espantar. Se ainda hoje uma história que envolve incesto e perversão constitui um grande tabu, imagine nos dourados anos 50, com a repressora moral vigente.
Entretanto, apesar da história polêmica e até mesmo sórdida, Nabokov escreve com tanta elegância a respeito de um tema imoral sem usar para isso nenhum termo pornográfico ou chulo que, protestos à parte, Lolita acabou entrando com mérito na lista dos grandes clássicos do século XX.
A história
começa quando um calhamaço de texto chega às mãos de um certo John Ray Jr,
revisor. Fora escrito sob o pseudônimo de Humber Humbert, por um homem que
falecera na cela de uma prisão, poucos dias antes de seu julgamento. O relato era dirigido aos “senhores do júri.” Ao lê-lo, John Ray percebe tratar-se de uma
história perturbadora. Vamos a ela.
Humbert Humbert
é um quarentão “bem apessoado” que se autodefine como “um pervertido” e admite, logo no início, seu fascínio por meninas novas, de “9 a 14 anos”, que
ele chama ninfetas. E escandaliza ao definir as ninfetas como “seres
demoníacos”, afirmando que é preciso ser “um louco ou artista” para
reconhecê-las entre garotas comuns. Em sua defesa, HH exemplifica grandes nomes
da literatura, como Dante, que apaixonou-se por sua Beatriz quando ela tinha 9
anos; Edgar Allan Poe, por sua Virgínia, de 13, e Lewis Carroll, que era
obcecado pela pequena Alice na vida real.
No relato, ele não
se abstém de contar o que supõe ter despertado sua obsessão por meninas.
Acontecera, segundo ele, durante a infância, num relacionamento não consumado com Annabel,
garota de sua idade que morrera precocemente. Desde então, ele passara a procurar Annabel em todas as
meninas, numa paixão sempre platônica.
“Entre os vinte e trinta e
poucos anos, não compreendia com tanta clareza minha agonia. Se meu corpo sabia
o que desejava com tanta ânsia, minha mente rechaçava cada um de seus apelos.
Ora me sentia envergonhado e assustado, ora temerariamente otimista.”
Um casamento na juventude não o
impede de manter o vício de admirar meninas a distância e ele lamenta viver
numa sociedade “que permite a um homem de vinte e cinco anos cortejar uma moça
de 16, mas não uma de doze.”
Tamanho cinismo cobrará seu preço, quando, já divorciado
e vivendo na América, ele procura um quarto para alugar.
“Estava ainda seguindo os passos da Sra Haze (dona da casa) através da sala de visitas, quando, de repente, diante de nós se abriu um clarão verdejante”.
Era Dolores Haze.
“Estava ainda seguindo os passos da Sra Haze (dona da casa) através da sala de visitas, quando, de repente, diante de nós se abriu um clarão verdejante”.
Era Dolores Haze.
Nesse momento,
revela H.H., “uma onda azul ergueu bem alto meu coração.”
Ao ver personificada sua "paixão da Riviera", ele tudo fará para ficar mais perto da
menina, até mesmo casar com a mãe dela, segundo ele, “uma versão
piorada da Marlene Dietrich.” Ao descobrir a obsessão do marido, Dolores tem um ataque e morre e HH aproveita para viajar para longe com a menina, fingindo ser seu pai, aos olhos da sociedade. Seu sórdido desejo está realizado.
“Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura, calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita”.
Apesar da temática polêmica, Nabokov escreveu uma obra que vai
além de uma simples narrativa sobre a obsessão de um homem de meia idade por uma menina,
tornando-se a história de uma paixão arrebatadora. No decorrer do romance, o
leitor irá se dividir entre odiar e condenar H.H. por seu comportamento
desprezível e, ao mesmo tempo, compadecer-se de seu sofrimento. Humbert Humbert é na verdade o elo mais fraco e também um prisioneiro dessa
odiosa ligação. Ele será levado à ruína por sua obsessão, não sem antes fazer um estrago na vida de Lolita, que jamais
se recuperará do ocorrido. Aos 17 anos, já mãe, e casada com um rapaz pobre e tão sem
futuro quanto ela, ela nem de longe lembrará a ninfeta cujos sonhos Humbert
Humbert ousara invadir.
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