quinta-feira, 21 de março de 2013

Livro 80: História de Mulheres (Rosa Montero)

A escritora espanhola Rosa Montero não esconde de ninguém seu fascínio por biografias. Tanto que tem um dom especial para perfis, que resultam em obras instigantes como Paixões, que trata de relacionamentos conturbados que se tornaram célebres em diversas épocas. Em História de Mulheres, esse talento é exercido, mais uma vez, de forma apaixonada, nesse que se tornou, segundo ela, um de seus livros preferidos.
Entre outros motivos, por ser “uma obra cheia de vida, cheia de tumultuosa, agitada, e alucinante vitalidade das mulheres que retrata”. Segundo ela, não se trata de um trabalho acadêmico ou jornalístico no sentido tradicional, pois “foram elas que me escolheram”. 
De acordo com Rosa, todas as vidas que retratou nesse livro, de alguma forma lhe trouxeram alguns ensinamentos. O que não significa - como ela ressalta -  que todas sejam admiráveis. Pelo contrário. Entre os 16 perfis de mulheres traçados nessa obra, de Simone de Beauvoir a Irene de Constantinopla. De Frida Kahlo a Hildegart Rodriguez, há todo tipo de fêmea. A passiva, a criativa, a pérfida, a insana e a calculista. Todas exageradamente humanas.
Como a escritora de romances policiais Agatha Christie, que era amante da ordem, talvez por sua família ter sofrido um baque financeiro em sua infância. A autora metódica que passou a vida a planejar assassinatos (de onde nasciam suas famosas novelas), era também uma mulher aventureira que adorava viajar e conhecer lugares exóticos (muitos de seus livros foram escritos nessas viagens ou inspirados nelas). Foi surfista na juventude (há fotos que registram o feito) e casou-se duas vezes, numa época em que o divórcio era mal visto. Seu segundo marido era 15 anos mais novo e foram muito felizes.
Já Simone de Beauvoir, escritora francesa existencialista que influenciou uma mudança no comportamento feminino nos anos 60, com livros como o Segundo Sexo, nunca se casou, mas manteve uma ligação com o filósofo Jean Paul Sartre até a morte dele, sem morar na mesma casa, e colecionando, cada qual, seus próprios amantes. A respeito dela, Montero escreve que se comportava como um personagem. “Ela narrou a si mesma - ou traduziu-se”.
E que correspondia bem à definição que uma de suas jovens amantes fez dela: um relógio dentro de uma geladeira. De fato, a grande intelectual que formou com Sartre um dos mais célebres casais do mundo contemporâneo, como existencialista e feminista deixou um rico legado ao mundo. Mas como pessoa, ficou aquém dessa imagem, o que ficou claro após sua morte, quando se revelaram as correspondências trocadas entre o casal, nas quais ironizavam os amantes que os dois possuíam - e compartilhavam entre si.
Ao descrever Laura Rilding, uma escritora e crítica literária norte americana, Rosa Montero não poupa adjetivos negativos – pérfida, manipuladora, egocêntrica, uma bruxa. Isso porque Laura acreditava mesmo ter poderes. E fazia os outros acreditarem nisso, pela forma como conseguia manipular a todos com quem convivia.  Usando as pessoas como se fossem peças de tabuleiro, não se limitava a dominar os homens que desejava, mas as esposas e parceiras destes, com um poder inexplicável de convencer casais a entrarem em sua estranha sociedade. Por exemplo, ao se encantar com Robert Graves, que conhecera apenas por cartas, convenceu-o a se mudar para sua casa na América. Ele veio trazendo a esposa, sendo ambos dominados por uma estranha sociedade em que Graves e Laura formavam um casal  e Nancy, a esposa se dedicava a cuidar dos filhos.  
Outra mulher forte que impressionou a autora foi George Sand, a escritora que nasceu Aurore, filha de um militar e uma prostituta. Criada pela avó paterna, desde jovem, Aurore já era uma mulher diferente, que gostava de cavalgar e escalar montes – e vestia-se de homem. O que não significava que queria ser um. Casou-se aos 18 com Casimir Daudevant, um jovem barão sem um vintém, com quem teve o primeiro filho, Maurice, mas não se sentiu feliz no casamento. A segunda filha, Solange, nasceu de um relacionamento extraconjugal. Tão logo a menina nasceu, decidiu largar o marido, que ficou com a propriedade que era dela, e também com os filhos. “Embarco no mar da literatura. É preciso viver”. Passou a trabalhar em jornais, sempre vestida de homem e vivia cercada de jovens artistas e ativistas.  Escreveu seu primeiro romance junto com Jules Sandeau, um jovem literário de 19 anos. No segundo, que escreveu sozinha, adotou o nome de George Sand. Desde então, todos passaram a chamá-la por esse nome. Escreveu intensamente, tanto quanto viveu paixões e mesmo difamada, mantinha se impávida. “O oficio de escrever é uma paixão violenta quase indestrutível”. 
Para terminar, um perfil em dose tripla, das enigmáticas irmãs Bronte, "três tímidas virgens, perdidas numa aldeia remota, escrevendo romances poderosos e brutais”. Emily, Anne e Charlotte viviam em Havorth, em Yorkshire, Inglaterra, "onde a existência consistia em morrer com dor e viver com fome e na miséria." Orfãs de mãe muito cedo, seu pai um pastor evangélico autoritário e ultraconservador, que embora confinasse as filhas à casa paroquial, estimulou nelas o amor à leitura. Assim elas se dedicam a escrever, criando seus próprios mundos de fantasia. “Esse mundo irreal era para eles mais real que a vida de Haworth”. Numa época em que mulheres não se aventuravam na literatura, as três irmãs acabaram publicando - sob pseudônimo - obras que fizeram  e fazem muito sucesso até hoje. Foram elas que, isoladas do mundo, frágeis e anoréxicas legaram ao mundo as obra primas Jane Eyre (Charlotte), O morro dos ventos uivantes (Emily) e Agnes Grey (Anne).  Mesmo sem abandonar fisicamente as estreitas paredes de sua casa, segundo Rosa Montero , as irmãs Bronte "foram livres e indomáveis."
Embora Montero se negue a fazer um discurso feminista, principalmente no que diz respeito à existência de uma literatura especificamente de mulheres, em todos os perfis e também no posfácio do livro, ela transparece uma admiração tão grande por suas irmãs de gênero que chega a chamar suas biografadas de "minhas mulheres". 
“Porque há uma história que não está na história e que se pode resgatar apurando o ouvido e escutando os sussurros dessas mulheres”. Que bom que temos a sensibilidade de Rosa Montero para dar voz a esses sussurros.

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