sábado, 30 de março de 2013

Livro 89: Os Capitães da Areia (Jorge Amado)


Publicado em 1937, Capitães da Areia é um dos mais famosos romances do escritor baiano Jorge Amado. Escrito na primeira fase da carreira do autor, desde o lançamento a obra causou escândalo, sendo considerada objeto de propaganda comunista e "nociva à sociedade". Inúmeros exemplares foram queimados em praça pública, por determinação do Estado Novo. 
O motivo? A temática política, questionadora em defesa dos menos favorecidos. 
Dividida em três partes, tendo como cenário a cidade alta de Salvador, nos anos 30, nota-se na obra uma grande preocupação social do autor, que ataca indiretamente o clero e as autoridades, através de um grupo de menores abandonados e arruaceiros, que fazem suas próprias leis e se autodenominam os Capitães da Areia.
Vivendo em num trapiche, espécie de armazém abandonado no cais de Salvador, à margem da sociedade, os meninos têm em comum a pobreza e a revolta contra o mundo que lhes é hostil. Para sobreviver, eles roubam das classes privilegiadas e dividem o produto do roubo entre os companheiros, ao melhor estilo Robin Hood. Perseguidos pela polícia, o grupo reage de forma também agressiva. Na falta dos pais e de qualquer autoridade, os Capitães de Areia fazem do armazém uma espécie de lar e se tratam como uma família. As únicas pessoas externas ao grupo com quem se relacionam são o Padre José Pedro e uma mãe-de-santo, Don'Aninha.
Antes de contar a história, o autor apresenta uma série de pseudo reportagens onde explica quem são os menores, sua personalidade, apelido e papel no grupo.
O líder do grupo é Pedro Bala, um rapaz de 15 anos, com louros cabelos longos e cicatriz no rosto. Mesmo sendo tão jovem quanto os outros, ele é uma espécie de pai para os garoto. É ele quem planeja os roubos, e além de liderar, tem a função de harmonizar as condutas.
Volta Seca é um mulato sertanejo, que tem ódio das autoridades e sonha entrar para o Cangaço de Lampião. Professor, o único do grupo que sabe ler, é quem traça as estratégias. Gato, o mais bonito da turma, tem um caso com a prostituta Dalva, que lhe dá dinheiro. Sem Pernas, um garoto miúdo e coxo de uma perna, finge ser um pobre órfão, para entrar nas casas e descobrir onde ficam os objetos de valor. Boa Vida, mulato troncudo e feio, é o mais malandro de todos, com talento especial para tocar violão.  Pirulito,  magro e muito alto, com olhos fundos, é o único do grupo com vocação religiosa. Já o João Grande, a quem Pedro Bala chama de “o negro bom”, é forte e bronco, mas de bom coração. É o defensor dos meninos pequenos do grupo. E finalmente Dora, a única menina do grupo, que assume o referencial feminino da família: mãe ou irmã dos meninos. Ela acaba se envolvendo amorosamente com Pedro Bala.
 Na primeira parte, "Sob a lua, num velho trapiche abandonado" o autor conta histórias sobre alguns dos principais Capitães da Areia. Inicialmente, eles se envolvem com um carrossel mambembe recém-chegado na cidade, exercendo sua meninice. Mas quando uma epidemia de varíola atinge a cidade, matando um deles, o grupo volta imediatamente à triste realidade.
A segunda parte, "Noite da Grande Paz, da Grande Paz dos teus olhos", traz o romance trágico de Dora e Pedro Bala. Quando ela se torna a primeira "Capitã da Areia", os meninos, que têm o hábito de “derrubar negrinhas” na orla, tentam agarrá-la a força, mas ela acaba se tornando uma mãe e irmã de todos. Participando dos roubos junto com os garotos, numa ocasião em que o grupo é pego pela polícia, Dora é levada  para o Orfanato e Pedro Bala para o Reformatório, onde são duramente castigados. Quando escapam, muito enfraquecidos, se amam pela primeira vez na praia. Um episódio triste marca o começo do fim para os principais membros do grupo.
A terceira parte, "Canção da Bahia, Canção da Liberdade", mostra a desintegração dos líderes. Sem-Pernas se mata antes de ser capturado pela polícia que odeia; Professor parte para o Rio de Janeiro para se tornar um pintor de sucesso; Gato abandona sua amante Dalva e muda-se para Ilhéus, tornando-se um malandro de verdade. Pirulito segue sua vocação e se torna padre. Volta Seca vira cangaceiro do grupo de Lampião e mata mais de 60 soldados antes de ser capturado e condenado; João Grande torna-se marinheiro; e Pedro Bala, após descobrir que era filho de um sindicalista morto numa greve, se envolve na causa dos doqueiros. Depois que os Capitães da Areia os ajudam numa greve, Pedro Bala abandona a liderança do grupo, tornando-se assim um líder revolucionário comunista.
Publicada num período em que o Brasil vivia um momento conturbado, quando se tomava consciência da luta de classes, na ascensão de Getúlio Vargas ao poder, Capitães de Areia é uma obra que mistura poesia rústica com extratos de uma realidade nua e crua.  Considerado um livro revolucionário para a época, ainda hoje, passadas sete décadas, continua atual.


 "Sob a Lua, num velho trapiche abandonado, as crianças dormem. Antigamente aqui era o mar. Nas grandes e negras pedras dos alicerces do trapiche as ondas ora se rebentavam fragosas, ora vinham se bater mansamente. A água passava por baixo da ponte sob a qual muitas crianças repousam agora, iluminadas por uma réstia amarela de lua. " 

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