sábado, 16 de março de 2013

Livro 75: O Amante (Marguerite Duras)


“Muito cedo em minha vida ficou tarde demais. Quando eu tinha dezoito anos já era tarde demais. Entre dezoito e vinte e cinco meu rosto tomou uma direção imprevista. Aos dezoito anos envelheci, não sei se é assim com todos, nunca perguntei.” Esta frase, logo na primeira página do livro “O Amante”, da escritora francesa Marguerite Duras  já dá o tom do que será a narrativa. Melancólica, triste, mas ao mesmo tempo distanciada. Em um relato com nuances autobiográficas, como costumam ser os textos da autora, ela narra um romance vivido aos quinze anos com um homem doze anos mais velho, na antiga Indochina Francesa (hoje Vietnã). É nostálgica a descrição que faz de si mesma num dos momentos que momentos que ficaram fotografados em sua mente: em uma balsa sobre o rio Mekong, usando um vestido de seda quase transparente que fora de sua mãe, um cinto de couro do irmão, um chapéu de modelo masculino e sapatos de lamê dourado. Foi nesse dia descendo da balsa, que ela atraiu a atenção de um chinês, filho de família rica, que a observava de dentro de uma limusine preta. "Um homem elegante, não é branco, roupa  europeia, terno de tussor preto. " Ele me olha. Já estou acostumada a que me olhem. Olham as brancas nas colônias, e até as meninas brancas de 12 anos." Com ele, perderá a virgindade e viverá uma relação envolvendo sexo, dinheiro e dependência (por parte dele) e nenhum amor (por parte dela).
"Ainda revejo o rosto, lembro o nome. Ele me diz que me lembrarei a vida toda dessa tarde, mesmo quando tiver esquecido até seu rosto, seu nome". 
A história desse romance só vem à tona quando da publicação do livro em 1984, quando a autora já está com 70 anos. Até então nada se sabia do fato, assim como pouco se pôde comprovar de sua veracidade. No livro, além da relação com o chinês, a autora expõe a agruras de uma adolescência precária, órfã de pai, com a mãe depressiva e dois irmãos – o mais velho viciado em ópio, que acaba se tornando um “vagabundo de família”, capaz de roubar a própria mãe.

A família caíra em desgraça após a morte do pai, quando a mãe investira em terras inférteis pensando em plantar arroz. É por essa época que sua mãe começa a ter episódios de depressão até se tornar um dia quase irreconhecível para a filha. “Esse grande desânimo de viver, minha mãe tinha todos os dias. Às vezes durava, às vezes desaparecia com a noite.” 
"Nas histórias dos meus livros que remetem à minha infância, de repente, não sei mais o que evitei dizer, o que disse, acho que falei do amor que sentíamos por nossa mãe, mas não sei se falei do ódio que também sentíamos por ela e o amor que sentíamos uns pelos outros, e o ódio também terrível, nessa história comum de ruína e morte que era a dessa família em qualquer caso, de amor ou de ódio, e que ainda não consigo entender plenamente, ainda me é inacessível, oculta no mais fundo da minha carne, cega como um recém-nascido no primeiro dia de vida." “Quero escrever. Minha mãe pergunta, escrever o quê ? Livros, romances. Não é trabalho, diz ela, uma ideia de criança.”
A experiência de ler O Amante é como vivenciar um caleidoscópio de sensações, sem se ter certeza entre o que é real e o que é ficção nesse romance que se pretende autobiográfico. Influência de sua carreira no cinema, as cenas são descritas como se fossem um filme. Com flashes de lembranças. A narrativa não transcorre de forma linear. Alternando a voz entre a primeira  e a terceira pessoa, ora a autora fala de si mesma, ora fala da menina que se tornou amante do chinês rico, mais para fugir da pobreza do que por qualquer outra coisa. Em um momento, fala no passado, em outro, no tempo presente. Num trecho revela fatos que aconteceriam muitos anos depois - como a morte da mãe  e dos seus irmãos - , para em seguida retomar, sem ordem cronológica, a suas tardes de amor ilícito na juventude. Sutilmente ela descreve passagens do relacionamento com o amante, que adorava banhá-la, cuidar dela, ao mesmo tempo em que a temia, sabendo que a ligação com uma menina tão jovem poderia leva-lo à prisão. "Durante todo o tempo da nossa história, um ano e meio, falaremos dessa maneira, nunca falaremos de nós. Desde os primeiros dias saberemos que é inconcebível um futuro em comum."
"A mãe não a impedirá quando ela for atrás de dinheiro. A filha dirá: eu pedi a ele quinhentas piastras para o retorno à França. A mãe dirá que está bom, que é o necessário para se instalar em Paris".
Embora o tal chinês feio e magro se encantasse perdidamente pela exoticamente bela menina branca, ele não ousará enfrentar a família para assumir esse romance.
Quando chegamos ao fim do livro, ainda nos perguntamos se a autora viveu o romance de forma tão distanciada quanto sugere ou se é apenas uma forma de se proteger das lembranças.


O Amante
Marguerite Duras
1984

Marguerite Duras - Escritora, dramaturga e cineasta, nascida em 1914 na Indochina Francesa (atual Vietnã) onde passou infância e juventude, mudando-se posteriormente para a França.Durante a II Guerra Mundial, tomou parte da Resistência Francesa, filiando-se também no partido comunista. Considerado o livro mais autobiográfico da escritora (1914-1996), "O amante", escrito em 1984, recebeu o Prêmio Goncourt, o mais importante da literatura francesa e se consagrou como sua obra mais célebre.

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