domingo, 3 de março de 2013

Livro 62: Tanto Amar (Miguel Marvilla)


"Poeta usado, safra 1959, ainda em razoável estado de conservação. Proprietário de quase nada, a não ser uma penca de cedês, devedês e livros, todos lidos, vistos, ouvidos, não necessariamente nessa ordem, e de uma alma ampla e arejada, com vista apenas para coisas boas". Assim ele se definia no prefácio de um de seus livros, Os Mortos estão no Living. E assim devemos recordá-lo.
Eu, particularmente, que o conheci nos meus 20 e poucos anos, mostrando-lhe versos e ouvindo conselhos, me lembro de um Miguel muito exigente, vaidoso, mas crítico honesto e infinitamente superior como poeta e contista.

Em Tanto Amar, pequeno livro editado pela Flor&Cultura, o poeta capixaba Miguel Marvilla nos oferece 13 sonetos inspirados principalmente em mulheres -  amigas, conhecidas, musas. Não importa. O livro é dedicado a apenas uma, mãe de seus dois filhos: "Para todas as mulheres em Nilza Maria". E é para ela, na minha opinião o mais belo e comovente poema do livro.
Em  cada um dos sonetos, Miguel elege uma imagem, um detalhe, um momento, um olhar, uma peça de roupa,  e os torna seu objeto poético, sejam olhos "que combinam com a camisa", seja “a música dos corpos que (eu) tocava”, seja seu próprio eu, confesso, entreouvidovisto, parentético”
Mais do que mistérios na poesia de Miguel Marvilla, há o trabalho de artesão debruçado sobre um tema, destrinchando-o e lapidando-o até não restar um resquício sequer de falta ou de excesso. Um verdadeiro escultor de palavras. 
Inspirado em um trecho lido em um conto meu (Fragmentos), Miguel compõe o belíssimo soneto “O outro homem da mulher que amo” ( há nele as minhas marcas que são dela/e sempre encontro indícios dele quando/ela se despe e se abre e posso tê-la).
Em Do Ponto Mais Distante na Floresta, o poeta entrevê a musa "à sombra (que te acolhe num tempo sem saída e te represa)" e declara: 
"o meu amor está nos arredores". E se condena a amar, insone "o tudo quanto vejo em tua imagem, daqui até o futuro que me cabe". Pungente.
Não falemos agora em métricas, estilos e temáticas nos precisos versos nem em novas leituras da obra de Marvilla. Isso deixo a quem de direito possa fazê-lo, a respeito de tão profícuo autor. Registro, tão somente, a visão de uma admiradora que não teve oportunidade de dizer isso a ele, enquanto tempo ainda existia. Logo para ele, a quem o tempo sempre foi urgente e desafiante.
Miguel Arcanjo Marvilla, filho de Marataízes destacou-se  desde os tempos da universidade, sendo apoiado por professores e orientadores que cedo perceberam seu talento. Seguiu um caminho próprio, como autor e editor, enriquecendo cada vez mais sua vida literária, que já se pressentia curta. Deixou-nos aos 50 anos, no dia 10 de outubro de 2009. Sua obra, porém continua, perpetuada em quem o leu e admirou.


Miguel Arcanjo Marvilla de Oliveira  (Marataízes, 1959 –Vitória, 2009), poeta, contista e editor capixaba, graduado em Letras e Mestre em História, editor da Revista Você e um dos fundadores da editora Flor&Cultura. Cadeira 18 na Academia Espírito-santense de Letras.



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