sexta-feira, 15 de março de 2013

Livro 74: O Castelo de Vidro (Jeanette Walls)


Jeanette Walls é uma bem-sucedida jornalista de uma revista de Nova York. Mas por trás desse presente de sucesso há um passado perturbador que ficou por décadas escondido até que ela resolveu abri-lo nas páginas de um romance autobiográfico. A partir daí, somos transportados a uma infância repleta de fantasias mas nem um pouco fabulosa, onde Jeanette e seus irmãos, Lori, Brian e a caçula Maureen passam por inacreditáveis peripécias para sobreviverem às loucuras e negligências de pais nada convencionais. Rex Walls era um intelectual brilhante mas escritor fracassado, que vivia quase sempre desempregado, por conta do alcoolismo e do vício no jogo. Rose Mary, uma artista lunática de personalidade bipolar, também não durava muito nos empregos de professora, pois preferia dedicar-se a pintar quadros que nunca vendia.
Ao leitor, é bom que se advirta: a leitura de O Castelo de Vidro pode causar náuseas, indignação e revolta. Espécie de catarse da autora (escrevê-lo parece ter sido uma maneira dela se reconciliar com seu passado), as memórias de Jeanette Walls chegam a ser assombrosas. É surpreendente como essas crianças sobreviveram a tantos perigos, desconforto, insegurança e constrangimentos. O casal, que parecia não ter condições de cuidar nem de si mesmo, impingia aos filhos uma educação nada ortodoxa, baseada em conceitos que eles mesmos criaram. Jeanette cresceu sem certidão de nascimento (Rex e Rose Mary não achavam necessário registrar os filhos). Aos 3 anos, ela se queimou tentando cozinhar uma salsicha (porque os pais diziam que eles tinham que se virar sozinhos desde pequenos). Viviam mudando de cidade, sempre que os pais perdiam o emprego ou se metiam em confusão, deixando para trás quase todos os pertences.
Falando assim, parece crueldade extrema, mas o tom carinhoso e bem-humorado com que ela nos relata sua infância ímpar, nos leva a (quase) nos simpatizarmos com essa estranha família.  Episódios assustadores são tratados como "aventuras", como aquele em que o pai sai pelo deserto dirigindo quase desgovernado, fazendo com que a autora, ainda uma menina, seja lançada para fora do carro. Detalhe: ele leva algum tempo para perceber que a pequena não estava mais no veículo. Em outro momento, um marginal entra pela casa aberta à noite e tenta pôr as mãos em Jeanette, sendo perseguido pelo irmão Brian, enquanto os pais dormem pesadamente. Há ainda o trecho trágico e patético em que Rose Mary come chocolates escondida debaixo das cobertas enquanto as crianças não têm com que se alimentar.
Com tanta loucura e irresponsabilidade, os filhos tiveram que inventar meios de sobreviver, lutando contra a fome, o frio, o abandono. "Quando as outras garotas jogavam fora os sacos com os restos do almoço, eu ia catar na lata de lixo (...). Eu voltava para dentro do banheiro e dava uma conferida nas minhas descobertas deliciosas antes de comer".
Há salvação para isso? Entre traumas e dores, a autora prova que sim. De um jeito ou de outro, as crianças tornaram-se adultos bem-sucedidos (abra-se exceção para a caçula, Maureen, cuja história se entende melhor ao ler o livro). Exemplos de superação que confirmam a máxima popular de que "o que não mata, fortalece".
Mais do que sobreviver, o maior desafio de Jeanette Walls e de seus irmãos foi perdoar e amar seus pais, apesar de tudo. Chegar ao fim do livro traz  uma espécie de alívio, é um autêntico final (quase) feliz para um conto de fadas aterrador. Como história real, é comovente e exemplar. Porém, como literatura, é apenas um livro mediano.

Jeanette Walls nasceu em 1960, na cidade de Phoenix, Arizona. Formou-se pela Universidade de Columbia e foi repórter da New York Magazine, Esquire, USA Today e MSNBC.com, onde trabalha atualmente.


Livro: O Castelo de Vidro.
Autor: Jeannette Walls
Editora: Nova Fronteira
Ano: 2007
Edição: 1
Número de páginas: 368

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