domingo, 7 de abril de 2013

Livro 97: O Homem que Não Queria Ser Papa (Andreas Englisch)

Sobre o fundo preto, a imagem solitária e cabisbaixa de Joseph Ratzinger em atitude de contrição. Com essa capa impactante e um título, no mínimo, instigante, O Homem que não Queria Ser Papa, publicado pouco tempo após a renúncia do Pontífice, promete responder à pergunta que não quer calar: - Por que Bento XVI renunciou ao posto mais importante da maior comunidade religiosa do mundo, um feito tão inusitado e tão raro que o último a fazê-lo foi Gregório XII, há mais de sete séculos?
Com uma mistura de biografia e relato jornalístico, porém bastante romanceado, Andreas Englisch descreve e analisa, em 576 páginas os oito anos de papado de Bento XVII. Mas não se atém a enumerar possíveis motivos da renúncia. Antes, conduz o leitor a um passeio pelo Vaticano, um Estado eclesiástico dentro da cidade de Roma. 
Há mais de vinte anos como correspondente internacional, o autor descreve com bom-humor (e uma pontinha de vaidade) suas peripécias na cobertura de eventos papais. Em certo ponto, nos leva a supor que ser repórter no Vaticano é quase a mesma coisa que cobrir  o Palácio de Buckingham de Londres ou a Casa Branca em Washington. Cumpridos os protocolos exigidos, atendendo às regras determinadas, acaba sendo uma atividade jornalística como outra qualquer: acompanhar viagens internacionais, participar de coletivas de imprensa, lutar pela melhor foto, a matéria mais impactante ou uma revelação surpreendente. Boa parte do livro é dedicada a mostrá-lo aflito na primeira audiência, sonolento em outra ou muito febril no evento seguinte. 
Além de narrar os principais fatos ocorridos durante o papado de Ratzinger, Englisch fala - e muito – sobre seu antecessor: o carismático, midiático e amado João Paulo II. Chamando-o pelo seu nome de batismo, Karol Wojityla, cita as inúmeras diferenças entre um e outro, no que se refere a comportamento e personalidade. E mostra o quão difícil, desafiador e desgastante foi, para Bento XVI, ocupar o vazio deixado por um papa que – como nenhum outro antes –atraíra olhares do mundo inteiro, independente da crença ou falta dela. Ser o sucessor de um pontífice que conseguiu agradar a gregos e troianos, russos e americanos, tanto o mundo ocidental quanto o oriental. Que iniciou um diálogo com as outras religiões e seus líderes; e cujo prestígio foi tão grande que se tornou peça fundamental na derrocada do Comunismo. 
Junte-se a isso o fato de que João Paulo II e Bento XVI eram figuras diametralmente opostas. Um, carismático e sorridente. Outro, circunspecto e sisudo. Um comunicativo e integrado, outro, um radical teólogo. Um polonês, nascido num país que vergou sobre o peso do III Reich. O outro, um alemão que fez parte da juventude Hitlerista, assim como todos os jovens de sua época. Como o próprio Englisch, que é alemão, sugere, o mundo até hoje não conseguiu perdoar os crimes do nazismo. Uma pecha que Ratzinger carregou durante todo o seu pontificado.
Se Karol Wojityla ficou conhecido como o Papa da Globalizaçao, Bento XVI ficaria conhecido como o papa que não tinha jogo de cintura para enfrentar multidões e que raramente fazia  o que se esperava dele num evento social. A bem da verdade, preocupava-se mais com suas ideias que com sua imagem. Num dos trechos do livro, Englisch o descreve chegando a uma Igreja na Polônia e caminhando em direção ao templo sem sequer esboçar um aceno ou olhar à multidão que o aclamava. Em outro episódio, numa visita à Jordânia, passou pelo local onde supostamente Jesus teria pisado, sem descer do veículo. Descaso, frieza? Não. Simplesmente a adoração a imagens e locais não combina com sua visão do sacerdócio. Como bem define o autor, Ratzinger era um teólogo da Bavária e teria preferido passar a vida inteira rodeado de livros, escrevendo seus artigos e defendendo a Igreja à moda antiga. Jamais imaginara ocupar o cargo máximo do catolicismo.
Prova disso está numa revelação do próprio Ratzinger de que ao ouvir seu nome anunciado, sentira “como se centenas de lanças tivessem sido cravadas em sua cabeça”. “Certamente” – cita Englisch - poderia prever o desafio a que seria submetido”. Relatos de casos de pedofilia envolvendo bispos e padres, agora começavam a explodir em toda parte. Ratzinger nada poderia fazer para evitar que o assunto viesse à tona, pois como cardeal cobrara pessoalmente de João Paulo II providências para que essa sujeira não ficasse escondida. E era ele, agora, como Papa, que deveria pôr a mão na ferida.
No livro, o autor enumera  os  diversos  escândalos que eclodiram no pontificado de Bento XVI: dos casos de orgias homossexuais dentro das paredes do Vaticano até as supostas manobras para ocultar ações criminosas realizadas pela Igreja Católica.  A tentativa de abafar o caso de assassinato do chefe da guarda suíça, (que faz a segurança do Papa)  junto com sua esposa, por um membro da guarda, que cometeu o suicídio em seguida; a descoberta de que um dos mais notórios cardeais era um pedófilo que fez dezenas de vítimas sem ser afastado do cargo. 
Sem contar nos episódios em que fica muito claro que a cúpula do Vaticano jogava contra o novo Papa, deixando –o a mercê de situações constrangedoras, quando pego de surpresa por perguntas capciosas de jornalistas. 
Um diálogo descrito pelo autor com um amigo jornalista ilustra a situação de Bento XVI, entre a cruz e a espada:
"– Eu acho que tudo acontece de modo muito sutil. [...] Você está entendendo? Pessoas que não querem globalizar a Igreja, que querem que tudo continue do mesmo jeito, como nos últimos séculos. Até porque é uma questão de poder!
– Digamos que você tenha razão. O que o Bento XVI deve fazer então, segundo a opinião dos cardeais?
– Nada. Ignorar todos os grandes problemas. Ser precisamente um papa de transição".
Homem de letras, intelectual e defensor da Igreja tradicional, Joseph Ratzinger, definitivamente não era um homem talhado para enfrentar multidões ou câmeras de TV. Desconfortável no cargo, ainda assim, ele foi responsável por um dos grandes momentos da Igreja nos últimos anos, quando precisou encarar verdades que seus antecessores nunca assumiram. Ouvir pessoalmente o depoimento de vítimas de pedofilia dentro da Igreja, talvez tenha sido o momento mais importante do pontificado de Bento XVI.
Ao ler "O Homem que Não Queria Ser Papa" nos alternamos entre a admiração ao ex-Papa e a irritação com o jornalista-autor. Trata-se de um documento histórico, um registro do Papado de Bento XVI, escrito por alguém que conhece muito bem os meandros do Vaticano. Porém isso não o impede de deixa escapar nas entrelinhas que nunca foi muito fã de Ratzinger, desde os tempos em que ele era Cardeal. No entanto, como bom jornalista que é, descreve a coragem e o senso de dever com que  "o teólogo da Bavária" cumpriu a missão que lhe foi confiada.

O grande feito desse livro (embora repetitivo em alguns trechos e cheio de erros de revisão/tradução) foi mostrar o homem Joseph Ratzinger enfrentando o maior desafio de sua vida. E a coragem de renunciar ao cargo quando considerou a cruz "pesada demais para um simples teólogo". 


Ficha Técnica
Título: O homem que não queria ser papa
Autor: Andreas Englisch
Tradução: Gisele Andrade e Regina Canova
Editora: Universo dos Livros
Número de Páginas: 560
Benedikt XVI – Der Deutsche Papst 

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