domingo, 24 de fevereiro de 2013

Livro 55: Quando o espiritual domina (Simone de Beauvoir)

Uma das maiores feministas do século passado, Simone de Beauvoir teve uma existência sui generis numa época em que cabia à mulher apenas as funções de mãe e dona de casa. Criou um jeito próprio de viver. Um de seus livros mais famosos , O Segundo Sexo (1949) , traz a frase que a celebrizou, servindo de bandeira para o feminismo: “Não se nasce mulher, torna-se mulher.” Para ela, a mulher não tem um destino biológico, forma-se  dentro de uma cultura que define seu papel na sociedade. Nascida em uma família da alta burguesia francesa, Simone, mais velha de duas irmãs, teve acesso a uma formação intelectual melhor do que muitas mulheres de sua época, o que não evitou que ela trouxesse resquícios de sua criação burguesa, a qual critica em “Memórias de uma moça bem comportada”.



Com Jean Paul Sartre, ela formou um dos casais mais instigantes do século e do meio intelectual. Não se sabe se o que os unia era admiração ou amor, mas certamente, entre inúmeros casos de ambos os lados, foram fiéis à ligação que os unia – sem morarem na mesma casa - até a morte dele, em 1980.
No final da vida Simone de Beauvoir permitiu que fosse publicado este conjunto de cinco novelas que se interligam, formando um romance em que as personagens – mulheres – se encontram em situações de crise, impedidas de exercerem sua personalidade devido ao meio preconceituoso e repressivo em que vivem.Escrito entre 1935 e 1937 esse conjunto de novelas foi engavetado por Beauvoir após serem recusadas pelo seu editor, Gallimard. São as histórias de cinco moças, Marcelle, Chantal, Lisa, Marguerite e Anne, através das quais a própria Simone lança questionamentos sobre moral, espiritualidade, vida e morte.
Marcelle é uma moça sonhadora e sensível que devora contos de Schmidt, romances e memórias históricas.  Ansiava por tornar-se adulta e virar uma escritora famosa. “Nunca seria igual àquelas moças frívolas. Queria ser uma mulher de talento.”  - "Há mais de uma mulher em mim – disse” (p.23:24)Mas na época da Guerra em meio ao sofrimento presenciado, começa a duvidar da existência de Deus. Entra para um movimento social, movida pelo seu idealismo, mas logo se desilude, deixa um namorado para casar-se com um jovem de futuro desalentado. O casamento definhará quando ela perceber que se dedica mais do que ele, que um dia comenta: “Não sou feito para a vida de família.” Marcelle chegará a uma conclusão: ““(...) a verdade é esta: quero gigantes e há apenas homens”. (p.27)
Na segunda novela, Simone apresenta a história de Chantal. Num diário “cor de ameixa”, ela expõe suas impressões sobre a vida. “É quase um sacrilégio alterar o branco virginal dessas páginas.” Chantal é uma jovem professora que vai lecionar num colégio para moças em Rougemont. Orgulha-se de sua nova vida e parece viver em êxtase. Passeando pelo Liceu, sentia “a impressão de andar por um romance de Balzac.”
Chantal é admirada pelas alunas e se considera superior às outras professoras mais velhas e conservadoras.  “São todas solteironas sem sensibilidade, orgulhosas da inútil e pesada cultura que possuem, nunca olharam de frente o verdadeiro rosto da vida”. (p.57)
“Quando chego ao liceu, toda penteada e bem pintada e com uma blusa de tom ruivo de certos crisântemos, sinto fizar-me em mim o olhar cheio de reprovação de minhas colegas e ao olharem pouco maravilhado das alunas, que devem achar-me muito irreal. Adoro descer as escadas correndo, sob o olhar escandalizá-lo das inspetoras”(p.57).
Mas quando uma de suas alunas fica grávida do namorado, Chantal sente-se traída e horrorizada, se nega a apoiá-la, aconselhando um casamento rápido, contestando sua aparente “modernidade”.
Seguem-se as histórias de Lisa, Anne e Marguerite, personagem com a qual Simone declarou se identificar mais. Seria um autorretrato?

Seja qual for a moça retratada, a impressão que se tem é que por meio da história de cada uma, Simone expõe suas opiniões sobre as questões mais prementes do universo feminino da época. É como se todas as moças formassem um quebra-cabeça que comporiam a personalidade da autora, especialmente em seus jovens anos. Como ela mesma define, é uma catarse e ao mesmo tempo uma obra ainda relativamente imatura. Eu particularmente senti que Chantal se parece mais com Simone, dada a grande influência que ela teve entre suas jovens discípulas, algumas das quais chegou a acolher e adotar. Também existe um leve egocentrismo no texto, que é peculiar da autora. Contudo, continua sendo uma obra importante para se conhecer o pensamento de Simone de Beauvoir.

2 comentários:

  1. Gostei das suas impressões e do resumo da obra. Acabei de compra-la no site estantevitual, agora é só esperar para ler, rss. Abraço.

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  2. Pelas Resenhas. Adquiri o livro a pouco. Curioso em lê-lo.

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