segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Livro 49: Faz escuro mas eu canto (Thiago de Mello)


O que leva uma pessoa, numa tarde qualquer,  a escolher ao acaso um pequeno livro em uma estante, um livro nunca dantes folheado, um pequeno livro de apenas 89 páginas?  Impulso, acaso, despretensão? Esse livro habitou a minha estante por tantos anos, faz parte da coleção de meu marido e eu –  amante confessa de Bandeira e Drummond nunca havia sequer prestado atenção em Thiago.
E foi num acesso de despretensão, meio blasé que comecei a folhear  "Faz escuro mas eu canto", de Thiago de Mello, publicado pela primeira vez em 1965 e já traduzido para mais de 30 idiomas.

Pausa. À medida em que lia os poemas, mal pude respirar, emendando um no outro, com a descoberta de que alguém ali falava coisas preciosas, com precisão e com necessidade. 
 De um fôlego só, fui sorvendo as palavras desse poeta operário, um artesão da palavra que escreve coisas simples e grandiosas ou coisas simplesmente grandiosas.

Um dos maiores poetas brasileiros vivos, Thiago de Mello canta o amor, a dor, a morte, sua gente.  Sua poesia nasce de sua terra natal, o Amazonas, terra de seringa, de lendas, de povo sofrido, de natureza e pé no chão. Poeta lírico, seu estilo se impõe na singeleza dos versos, na maneira de cantar o amor,  a mulher amada, uma manhã feliz. Porém o que sobressai em "Faz escuro mas eu canto"  é a preocupação com a causa social. 
Escrito nos negros anos da ditadura, "Faz escuro mas eu canto" foi inspirado numa cena vista pelo poeta quando preso num quartel do Rio, na decretação do AI 1, de 1964, ele viu uma inscrição grifada na parede da cela: "Faz escuro mas eu canto, porque a manhã vai chegar." Nasceu assim o poema e o livro. 
Na mesma edição está presente o célebre poema "Os estatutos do homem" no qual decreta que "agora vale a verdade", "que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas , têm direito a converter-se em manhãs de domingo";  e que "O homem confiará no homem como um menino confia em outro menino."
Tanto ou mais que Drummond, ele usa a poesia como uma arma, uma metralhadora para fazer sua guerrilha pacífica. Não se trata de um radical. Radicalismo de Thiago é amar a vida, o homem e a liberdade. Um radicalismo  fartamente perdoado - e abençoado. 
Percebe-se pelos versos que bebe na fonte do marxismo, sonha com uma terra de todos, venera a liberdade como poucos e faz desta bandeira uma luta digna. (Mais tarde, ele mesmo fará uma autocrítica da militância). Feito de esperança, Thiago de Mello é também um sonhador. Sua biografia  mostra um homem preocupado, que esbraveja, que escancara as feridas da humanidade e acaba, por isso mesmo, desterrado. Exilado no Chile, faz amizade com Pablo Neruda, mora na casa do poeta a convite deste e lá não para de escrever. É de Neruda a introdução de "Faz escuro mas eu canto", na qual define Mello como um "transformador de alma". 


Lendo de um só fôlego, poemas como "Faz escuro mas eu canto", "Estatuto do Homem" e " A vida verdadeira", percebe-se que a poesia de Thiago nasce pronta, porque ele canta o homem e a vida e isso - por si só, já é poesia. 


Poema perto do fim
A morte é indolor.
O que dói nela é o nada
que a vida faz do amor.
Soporo a flauta encantada
e não dá nenhum som.
Levo uma pena leve
de não ter sido bom.
E no coração, neve.


Faz escuro mas eu canto
Faz escuro mas eu canto,
porque a manhã vai chegar.
Vem ver comigo, companheiro,
a cor do mundo mudar.
Vale a pena não dormir para esperar
a cor do mundo mudar.
Já é madrugada,
vem o sol, quero alegria,
que é para esquecer o que eu sofria.
Quem sofre fica acordado
defendendo o coração.
Vamos juntos, multidão,
trabalhar pela alegria,
amanhã é um novo dia.


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