domingo, 10 de fevereiro de 2013

Livro 41: O Lado Fatal (Lya Luft)

Quando comprei "O Lado Fatal", de Lya Luft, em 1992, lembro que fiquei muito impressionada com a história que deu origem ao livro. Em 1985, a escritora terminara um casamento de mais de 20 anos com o filósofo Celso Luft, para viver com o escritor Helio Pelegrini. Um romance tão arrebatador quanto curto, interrompido pela morte dele, por um infarto fulminante 3 anos depois. Ele tinha 64 anos, ela 49.
Folheando as páginas, senti-me tocada pela poesia, pela forma delicada com que a autora faz uma catarse, lembrando, com dor, saudade e um pouco de alegria, a vida e morte de seu companheiro. O luto exposto com respeito e sinceridade. Mais ainda, ao saber que quatro anos depois, Lya se casou novamente com seu primeiro marido, que veio a falecer em poucos anos. 
Sensação de vida vivida, sem medo de apostar, de assumir, perder, sofrer e simplesmente viver o que se tem, com toda urgência e leveza.
Sucesso na época em que foi lançado, em 1988, pela editora Siciliano, o livro de poesia “O lado fatal” foi retirado de circulação a pedidos da autora e acabou sendo relançado apenas 23 anos depois, pela Record, atendendo a pedidos dos leitores.
No livro, Lya traça um perfil fragmentado do homem que tanto amou. Como diz a autora "O Lado Fatal não foi pensada como uma obra literária, pois foi um desabafo em um momento sombrio."
Em 40 poemas escritos num rompante, um por dia, a autora exercita o luto em toda a plenitude. Chora, lembra, questiona, lamenta, sente raiva, saudade, melancolia, desamparo e recomeça a enxergar o sol. Tudo a seu tempo, como deve ser a vida.

Há poemas sobre o seu cotidiano a dois:
“O meu amado tinha a fadiga de muitos séculos.
Deitava-se no sofá, cabeça no meu colo:
Com você encontrei a paz.”
Sobre a espreita da morte:
 “Achava graça em mim algumas vezes.
Mas quando eu lhe dizia sentir medo sem razão
no meio da noite
(com certeza antecipando a separação que sobrevinha)
ele me abraçava calado e sombrio, dizendo:
"É para se ter medo mesmo."
Sobre a dor da perda:
“Quando meu amado morreu, não pude acreditar:
andei pelo quarto sozinha repetindo baixo:
"Não acredito, não acredito."
Beijei sua boca ainda morna,
acarinhei seu cabelo crespo,
tirei sua pesada aliança de prata com meu nome
e botei no dedo.”

“Deus
(ou foi a Morte?)
golpeou com sua pesada foice
o coração do meu amado
(não se vê a ferida, 

mas rasgou o meu também).
Sobre o homem a quem admirava:
“O meu amado, das muitas coisas que sabia,
ensinou-me algumas: conheço mais a mim
e aos outros, aprendi a amar melhor a todos
e entendi que a morte pode ser também um sonho.”

Sobre a vivência da dor:

“Não digam que isso passa,
Não digam que a vida continua,
Que o tempo ajuda,
Que afinal tenho filhos e amigos
E um trabalho a fazer. (...)
Não digam que tenho livros a escrever
e viagens a realizar.
Não digam nada.”

Sobre o que não teve tempo de viver:

“Nunca tivemos filhos juntos e ele reclamava:
Nosso amor merecia um filho ao menos.”
Nosso  filho é a minha dor de hoje,
é a fulguração que nos deixava tontos,
é o novelo da memória que teço
e reteço nas minhas insônias.”

(O filho talvez nesse caso fosse também o livro que nascia.)
Não falta também, nos versos da autora, o espanto diante da sorte do amor tão curto:

“ Pensei que estávamos apenas no começo:
a casa mal-e-mal nos alicerces.
Mas provavelmente estava concluída
e eu não sabia.” 
Nesse poema especificamente se percebe a aceitação chegando. Como se a autora entendesse que todo amor – e toda vida – tem seu tempo certo de existir.Em O Lado Fatal (o lado do coração), Lya parece dizer que a dor de perder o amor se confunde com a dádiva de ter vivido um romance fadado a existir para sempre. Um amor que não teve tempo de perder a cor, o viço, o encantamento. “Talvez tenha morrido na medida certa para nada se desgastar.”
Como ela mesma cita em um poema, “Nunca tivemos mais que vinte anos”.
“Nesta minha peculiar viuvez
sem atestados nem documentos
apenas com duas alianças de pesada prata
e no peito um coração de chumbo,
instalo ao meu redor objetos que foram dele:
a escova de dentes junto da minha na pia,
o creme de barbear entre os meus perfumes,
e com minhas roupas nos cabides
a camisa dele de que eu mais gostava.
(Na gaveta, vidros com os remédios
que o preservaram para o nosso breve tempo.)
Finjo a minha vida como ele finge sua morte”.
O Lado Fatal
Autora: Lya Luft
Editora: Siciliano
Páginas: 97
O livro foi reeditado pela Editora Record, em 2011.

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