quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Livro 52: Do amor e outros demônios (Gabriel García Márquez)


Do Amor e Outros Demônios traz todos os ingredientes que compõem uma história de Gabriel Garcia Márquez. Sim, baseia-se em um acontecimento por ele vivenciado. Sim, utiliza elementos da mitologia popular. Sim, encerra uma crítica à intolerância religiosa.  E sim, mistura amor e sofrimento, como se ambos fossem sentimentos indissociáveis.

 O livro tem inspiração em seus tempos de repórter em 1949, quando, ao cobrir a remoção das criptas funerárias de um Convento, depara-se com uma ossada com cabelos cor de cobre de aproximadamente 22 metros. Recorda-se da lenda contada por sua avó sobre uma marquesinha do Caribe, de longa cabeleira, que morrera mordida por um cão. Anos depois, o Gabo recria a história da menina, brindando-nos com uma dolorosa narrativa sobre o amor – e seus demônios.

Nesta obra publicada pela Editora Record, em 1995, ele narra a história de Síerva Maria Todos los Angeles, que vivera na Colômbia do Século XVIII, filha do Marquês de Casalduero e da segunda esposa, Bernarda Cabrera. Esse estranho casal, cujo enlace não dera alegria a nenhum dos cônjuges, teve uma única filha, concebida sem amor e criada na indiferença. Rejeitada pelos pais desde o nascimento - sua mãe a odiara na única vez em que a amamentara - , Síerva Maria era criada entre os escravos da casa. Recebeu o nome de Maria Mandinga e foi iniciada na religião africana, aprendendo com eles rituais e o idioma ioruba.Com seus colares de contas de orixás e uma longa cabeleira ruiva que lhe pendia aos pés “como um vestido de noiva”, a menina não parecia ser deste mundo.
Quando, aos 12 anos,  foi mordida por um cão com suspeita de raiva, espalhou-se a notícia, segundo a crendice da época, de que acabaria possuída por demônios. O pai, com remorsos, cai de amores pela menina, que recebe a aproximação com desconfiança. Procurando ajuda na ciência e no curandeirismo para salvar a filha, ele chega à casa do médico mais famoso da região, Abrenúncio de Sá Pereira Cão (personagem dos mais instigantes da obra). Ateu convicto de alma generosa, o médico afirma que Sierva Maria não tinha sintomas de raiva, mas sim, de falta de amor. Note-se aí a comparação sugerida pelo autor entre raiva- doença e a raiva- sentimento, da mesma forma como ele irá associar mais adiante sinais da possessão demoníaca a sintomas da paixão.
Quando Síerva Maria é encaminhada ao Convento de Santa Clara para ser tratada por “obreiros” de Deus, o livro ganha tons mais sombrios, expondo-se o fanatismo e as arbitrariedades da Igreja na forma com que a menina é (mal) acolhida no lugar que deveria salvá-la. Consideram estranhos seus hábitos, seus colares africanos e sua força incomum, atribuindo a estes um sinal do demônio – tem se medo daquilo que se desconhece.
 Encerrada numa cela escura sem contato com o mundo, a menina é banhada com água benta e esfregada até aumentar as feridas. Logo sua cela estará coberta de excrementos e seus cabelos, de piolhos. Como profetizara Abrenúncio, o abandono e os maus tratos é que acabariam por torná-la irrecuperável.
É quando sua história se cruza com a do jovem Padre Cayetano Delaura, homem de confiança do Bispo. Enviado para investigar o caso, em suas primeiras visitas ele se vê diante de uma menina enfurecida, vociferando em idioma desconhecido. Relata então ao Bispo que aquilo era - "o demônio, meu pai, o mais terrível de todos". 

Em pouco tempo, porém, estará apaixonado pela menina, tudo fazendo para tentar salvá-la. 
Será este o verdadeiro demônio que ele irá enfrentar. Os demônios que habitavam Sierva Maria e alcançaram o Padre Delaura tinham um nome: amor.

 "Ela lhe perguntou num daqueles dias se era verdade, 
como diziam as canções, que o amor tudo podia.
 - É verdade - respondeu ele -, mas é melhor não acreditares." [p. 75]

 “Como estamos longe! - suspirou ele.
- De quê?
- De nós mesmos." [p. 142

Gabriel Garcia Márquez
Do Amor e Outros Demônios
Record
Tradução: Moacir Werneck de Castro
1995

Quando adquiri: comprei por volta de 1998
Quando li: em 1998 e novamente em 2013

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