quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Livro 44: Adélia Prado Poesia Reunida


Ler os poemas de Adélia é sempre uma experiência forte, qual contemplar um espelho. Mulher de verdade, sem subterfúgios, sem excessiva vaidade, sem falsos conceitos de superioridade. Que se desdobra pra agradar um homem, que acha bonito fazer bolo e guarda com carinho lembranças de família. Todas nós carregamos dentro uma mulher assim. 
Adélia Prado é senhora de respeito, mineira das boas, que se parece tanto com uma tia da gente, servindo café e contando causos. E é também, e principalmente, uma das mais reconhecidas, queridas e admiradas poetas do nosso pais. 

Escrevendo desde a adolescência, estudou Magistério, lecionou mais de 20 anos e só foi publicar seu primeiro livro depois dos 40 anos. Antes disso, perdeu pai e mãe, casou e teve cinco filhos. Dela falou Carlos Drummond de Andrade ao vê-la surgir no meio literário: "

"Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: esta é a lei, não dos homens, mas de Deus. Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis".

"Adélia Prado - Poesia Reunida", publicado em 1991, pela Editora Sicliano, reúne os cinco primeiros livros da autora ("Bagagem", "O coração disparado", "Terra de Santa Cruz", "O pelicano" e "A faca no peito) em 405 paginas de emoção, singeleza e arrepio. 

Com um estilo muito peculiar, sem qualquer cacoete de intelectualidade ou sofisticação, Adélia escreve como fala e despeja sobre nossa cabeças, versos como:
 "Quero estar cheia de dor, mas não quero a tristeza. Por algum motivo fui parida incólume, entre escorpiões e chuva" (Códigos) ou:

 "Porque tudo que invento já foi dito nos dois livros que li: as escrituras de Deus, as escrituras de João. Tudo é Bíblias. Tudo é Grande Sertão" (A invenção de um modo).

Seus versos retratam, com singeleza e lirismo, o dia a dia comum de pessoas comuns, lembranças de sua Divinópolis natal. Uma poesia cotidiana que frita ovo, que chora, que sente solidão. Que se apaixona, sofre, cata feijão. Que se entrega ao amado sem medo e sem recato. Que enxerga beleza na simplicidade, num inseto, num guarda-chuva, num vestido esquecido no armário.



"Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo.
Não é. A coisa mais linda do mundo é sentimento. 
Aquele dia de noite , o pai fazendo serão, ela falou comigo: 
"Coitado, até essa hora no serviço pesado". 
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente. 
Não me falou em amor, essa palavra de luxo". 
(Ensinamento)

Há nos poemas de Adélia um constante diálogo com Deus, herança da criação católica. Um Deus que aparece, ora bondoso, ora aterrorizante.

"Estou com saudade de Deus, 
uma saudade tão funda que me seca." 
(Orfã na janela) 

Não se engane, porém, quem pensa que Dona Adélia é só tia boa que reza. Seus poemas rescendem a mulher ardente e consciente de sua feminilidade: 

"Meu amor é assim, sem nenhum pudor.
Quando aperta, eu grito da janela
- ouve quem estiver passando - 
ô fulano, vem depressa."
(Um jeito)

Feminina até a raiz do cabelo, a poesia de Adélia Prado é frágil e forte, fervorosa e sensual, meio santa meio louca e traduz como ninguém as sutilezas e doidices de todas as mulheres do mundo. Como ela mesm anuncia, no poema Com licença poética, "Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher e desdobrável. Eu sou". 
Somos todas, Adélia. Somos todas.

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