sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

LIvro 32: 84, Charing Cross Road - Helene Hanff

Se obras a respeito de livros despertam tanto interesse, histórias que envolvem pessoas que amam os livros podem ser ainda mais fascinantes.Talvez seja essa a razão pela qual essa singela troca de correspondências entre uma espirituosa escritora residente em Nova York, Helene Hanff, e um reservado livreiro londrino, Frank Doel, cale tão fundo no coração de leitores do mundo todo.
Publicado em 1970, desde então, 84 Charing Cross Road vem emocionando pessoas de várias gerações, tendo ganhado vida no teatro e no cinema (nesse último, sob o piegas título "Nunca te vi, sempre te amei", com Anne Bancroft e Anthony Hopkins).

Era o ano de 1949, quando a jovem e quase desconhecida autora Helene Hanff enviou uma carta para a livraria Mark& Co, de Londres, especializada em livros fora de catálogo. Na mensagem, incluiu uma lista dos clássicos que desejava adquirir, desde que "em bom estado" e com custo "abaixo de 5 dólares".
" Se vocês possuem exemplares usados de qualquer um dos livros desta lista por não mais do que $5 dólares cada, poderiam enviá-los para mim?
Atenciosamente,
Helene Hanff"

Com a solícita resposta do gerente da loja, Frank Doel, tem início um relacionamento que ultrapassa as fronteiras de uma simples ligação comercial para, aos poucos, transformar-se numa sincera e enriquecedora amizade. Durante duas décadas, as cartas de Helene e Frank atravessaram o oceano, repletas de risos, sonhos, brincadeiras, broncas e demonstrações de afeto.
Se no início eles dirigem-se um ao outro com reservas, logo abandonam o tom formal para desenvolver um terno diálogo capaz de existir apenas entre velhos conhecidos. No decorrer da troca de correspondências, ficamos conhecendo as pessoas que fazem parte do staff da livraria - Bill Humphries, Megan Wells, Cecily Farr, o velho Martin. 
Somos apresentados a Nora, esposa de Frank e suas filhas, Mary e Sheila. Temos contato com Maxime, amiga de Helene, casada com um cidadão britânico. 
Em pouco tempo a amizade entre os dois se estende à família de Frank e seus amigos na livraria.
Em sete de abril de 1950, Cecily, secretária da firma, lhe escreve contando que todos na livraria adoram suas cartas e tentam imaginar sua aparência (Helene tinha aversão a retratos).

 “Eu decidi que você é jovem e sofisticada, com ar esperto. O Velho Martin acha que você tem ar estudioso, apesar de seu maravilhoso senso de humor.”

Ao que Helene responde: “Diga-lhe que sou tão pouco estudiosa que nunca frequentei universidade. Acontece que eu tenho um gosto peculiar por livros, graças a um professor de Cambridge de nome Quiller-Couch, conhecido como Q, cuja biblioteca eu conheci quando tinha 17 anos. E sou tão esperta quanto uma mendiga da Broadway."

Com seu peculiar senso de humor, Miss Hanff  faz exigências, critica a lentidão do amigo em um ou outro item e se derrama em agradecimentos pelo envio de uma bela e rara edição de obra clássica.
A esse jeito expansivo da amiga americana, Frank responde com tranquilidade e a gentileza de um autêntico gentleman britânico.

Helene Hanff
As cartas trocadas entre eles revelam notícias dos dois países. Entre os acontecimentos no Reino Unido, o racionamento de comida, por conta do esforço da guerra; a eleição de Churchill e o surgimento de um animado quarteto musical: The Beatles.

Com a ajuda de mensagens de Nora, esposa de Frank, Helen aprende a fazer um delicioso Yorkshire Pudding e a vizinha dos Doel, Mary Bolton é convocada para fazer um bordado que atravessa o Atlântico para chegar ao pequeno apartamento de Helene. Enquanto ela progride na carreira e passa a escrever roteiros para TV, Frank prossegue em sua vida pacata, com o único desejo de criar as filhas para depois usufruir de uma aposentadoria mais tranquila.

Anos mais tarde, Helene começa a fazer planos de viajar até Londres –seu sonho era conhecer a cidade – e ambos ficam empolgados com a possibilidade. Porém, um tratamento dentário muito caro frustra os planos da escritora, que serão adiados por longo tempo. Nora revelaria anos depois que sentira um pouco de ciúme da amizade de Helene e Frank e sua filha Sheila admitiria que sempre imaginara a amiga de seu pai "tão sofisticada quanto a atriz Lauren Bacall". Justamente o oposto do que era Miss Hanff.


Frank Doel
Por meio da correspondência epistolar de Frank e Helene, acompanhamos o desenrolar de suas vidas, seus planos, sonhos, medos, ambições, e a troca de delicadezas a distância. Pelos olhos de Helene enxergamos seu modesto apartamento, a simplicidade de sua vida, o restrito círculo de amizades, seu jeito despojado de se vestir e a capacidade de rir de si mesma.
Nas mensagens de Frank vislumbramos um verdadeiro cavalheiro britânico, gentil e reservado, cujo maior sonho era ver sua família tranquila. Possivelmente, as cartas de Helene tenham sido o máximo do mundo lá de fora que ele desejou – ou conseguiu -  alcançar. Numa época pré internet, celulares e webcams, na qual a maneira mais rápida de comunicação eram as cartas ou uma caríssima ligação internacional, parece surpreendente que duas pessoas, morando tão distantes e sem nunca terem se encontrado, pudessem se tornar tão ligadas. Daí, talvez, o fascínio despertado pelo livro.
Vinte anos depois do início da troca de cartas, Helene Hanff fez sua tão sonhada viagem a Londres. Por essa época, a livraria já encerrara as atividades e muita coisa mudara. Helene jamais encontrará o amigo.
Os tempos, definitivamente, eram outros.

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Quando li: 2010
Como adquiri: comprei o exemplar em inglês na Amazon.com. Havia assistido o filme anos antes por sugestão de uma amiga que me dizia que era a minha cara. O filme é fantástico graças ao livro, que mistura humor e sensibilidade numa obra imperdível para quem, como eu, é do tempo em que ainda se mandava cartas. 

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