quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Livro 51: Ressurreição (Machado de Assis)

"Ressurreição", primeiro romance de Machado de Assis, publicado em 1872 (antes havia publicado apenas poemas), já traz muitas das características que o consagraram como um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. As famosas frases machadianas que fazem até hoje o deleite de seus admiradores. Ricas descrições de personagens e um peculiar senso de humor, além da capacidade de retratar como ninguém o Rio de Janeiro dos tempos do Império.
Já nessa época o  jovem Machado escreve com uma maturidade difícil de encontrar em iniciantes e com um estilo pessoal que o consagraria, herança dos escritores franceses que tanto admirava. Sua narrativa é fluida, qual uma conversa com o interlocutor, prendendo -lhe a atenção não apenas pela história mas pela forma com que a conta.Suas palavras parecem milimetricamente arranjadas para formar um parágrafo onde tudo está no lugar certo, sem falta ou excesso.
No prefácio, o autor prepara o leitor para o que encontrará: "Não quis fazer romance de costumes, tentei o esboço de uma situação e o contraste de dois caráteres. Com esses simples elementos busquei o interesse do livro. A crítica decidirá se a obra corresponde ao intuito, e sobretudo se o operário tem jeito para ela. É o que lhe peço com o coração na mão".


A história? Bem, a história é das mais simples, sem grandes arroubos, apenas a intrincada rede de sentimentos que pode existir em um círculo pequeno de pessoas em torno de um casal, Lívia e Félix, que Machado pretende opostos.

Ele, um médico jovem, solteirão convicto, que à altura da historia não precisa exercer a profissão para viver, devido a uma herança inesperada. (Quantos personagens de Machado são exatamente assim, vivem de renda e usufruem dos prazeres da riqueza e da corte?)
Ela, viúva de 24 anos, bela, generosa, alegre e cheia de vida, vive para o filho, um menino de quatro anos.
Logo fica marcada uma oposição entre a personalidade de ambos. Enquanto ela é aberta e expansiva, sem medo de se envolver, ele fala de si como alguém que perdeu a ilusão e, por isso não se deixa arrebatar por amores ou paixões. Acredita ele que pode controlar o tempo e a intensidade do que sente.
Como ele mesmo se define: " O amor para mim é o idílio de um semestre, um curto episódio sem chamas nem lágrimas."
De apurada elegância, Félix traz "um olhar ordinário frio e não por vezes morto."
Quem irá fazer reviver esse olhar, melhor dizendo, ressuscitá-lo?
Quem apresenta Lívia a Félix é Viana, um rapaz que o bajulava e tratava, como se fossem velhos amigos:  "Um desses homens metediços e dobradiços que vão a toda parte e conhecem todas as pessoas (...)" "Nasceu parasita como outros nascem anões. Era parasita por direito divino."
( Por certo todos nós conhecemos alguém assim.)


Embora não acreditasse mais no amor, Felix se envolverá com a moça, a principio por capricho, até que se apaixona verdadeiramente.  "É certo que me ressuscitaste  continuou o médico. E se o futuro me guarda ainda alguns dias de felicidade sem mescla, a ti só os deverei , minha boa Lívia. Só tu haverás feito o milagre."

"O desenlace sesta situação desigual entre um homem frio e uma mulher apaixonada parece que deverá ser a queda da mulher. Foi a queda do homem. Para triunfar da viúva Félix contava apenas com uma resolução; mas a viúva  além de seu amor, tinha dois auxiliares ativos latentes: o tempo e o hábito".
"Mas o amor da viúva era um verdadeiro combate. quando Felix chegou a encarar-lhe o coração. sentiu a fascinação do abismo, e caiu nele." 
Enquanto a trama acontece, com outros personagens circulando em torno do casal, o autor descreve a vida e os costumes da sociedade carioca dos tempos do Império.
Apaixonados, Félix e Lívia decidem manter o romance em segredo até vésperas do casamento, sendo esse silêncio a causa de alguns desentendimentos, quando Raquel, jovem amiga de Lívia presume estar a mesma envolvida com Menezes, amigo da casa e o confidencia a Félix. Quando o mal entendido é desfeito,  a semente do ciúme já estará plantada; a dúvida e a insegurança atormentam Félix, e o amor despertado em seu coração talvez não seja forte o suficiente para sobreviver a sua imaturidade. Um novo episódio será o golpe de misericórdia para o perturbado coração do rapaz.

Embora "Ressurreição" seja seu primeiro romance e a situação engendrada não seja tão bem articulada a ponto de ser uma grande obra, o livro já traz a marca do bruxo do Cosme Velho.
Machado de Assis retomará várias vezes em sua obra a mesma fórmula, fazendo antagonismo entre mulheres fortes e homens frágeis e ciumentos, como em seu maior sucesso, Dom Casmurro.
Mais do que isso: o fará cada vez melhor.


Ressurreição
Machado de Assis
Coleção Saraiva

Quando li: 2010
Como adquiri: em sebo, buscando cumprir o desafio de ler todos os romances de Machado de Assis.



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