O
primeiro parágrafo já é um jogo de palavras que sibilam, remetendo a seu
nome-sussurro: Alice. E já se prenuncia a vertiginosa viagem a que nos
conduzirá a autora nesse caso de amor contemporâneo. Percebe-se um mergulho, um
salto sem paraquedas, um voo no escuro. “Aliciada ela foi, vá
lá. Mas porque quis, das delícias ao suplício. Vai ver achou que tinha
alicerce. E tanto tinha que não perdeu a lucidez, nem mesmo na alegria inicial
do cio, por mais variadas que tenham sido os desvairados desvãos e deslizantes
desvios.”
É dessa forma que Alice invade a vida de Ulisses, o outro. E a vida do leitor.
É dessa forma que Alice invade a vida de Ulisses, o outro. E a vida do leitor.
Primeiro
romance para o público adulto da escritora e jornalista Ana Maria Machado, "Alice e Ulisses", publicado em 1983, já anunciava
insuspeitado poder de sedução oculto por trás das histórias infantis nas quais
ela reinava (e continua reinando, décadas depois).

Retrato de uma época, “Alice e Ulisses” trata de um amor contemporâneo, em tempos de ditadura, nos quais a mulher ainda estava presa a estereótipos e o homem (como sempre) se dividia entre aventuras extraconjugais e as bases sólidas de um casamento de aparências. Num tempo em que a relação homem-mulher ainda era cheia de arestas, com homens que podiam tudo e mulheres que pediam nada, a autora exerce sedução desde a primeira página, onde o encontro amoroso já está presente. E a poesia também.
Trata-se
de um caso de amor, contado de um só fôlego, em exatas 113 páginas, num
paralelo entre duas personagens universais, a destemida Alice (de Lewis Carrol), "capaz de mergulhar em tocas e viver aventuras" e o bárbaro conquistador Ulisses
(de Joyce, releitura do Ulisses de Homero), em sua odisseia particular. Só da mente de uma sagaz autora e contumaz leitora,
amante dos clássicos, sairia esse inusitado casal, cujos nomes rimam – como bem
assinala uma personagem do livro, o bruxo Augusto, que os une - reúne.
É num
evento de cinema que Alice, mulher moderna "que acha coquetel um pé no saco” e sempre
“se esquece de pegar o guardanapo de papel para
limpar a mão”, conhece o cineasta
Ulisses, que se encanta com a figura exótica “de cabelo solto e um imenso xale
de velha siciliano, indeciso entre escorregar e enrolar os ombros”. Não se
desgrudam mais. Entre os anos 70 e 80, vivem uma paixão atemporal, ilícita e ao mesmo tempo livre.
Bem que
ela devia “desconfiar que o nome de Ulisses já indicava sua maneira de ser,
saqueador de cidades, astuto e ardiloso, viajante e explorador.” Mas Alice, que
tinha “total disponibilidade para
mergulhar em tocas pela terra adentro", paga pra ver.

Quando Alice está cada vez mais envolvida numa relação na qual não é só Ulisses
quem perde a razão, surge em seu caminho Adélia, a esposa (do grego Adelo,
invisível). É a Penélope de Ulisses (ou Molly, de Joyce) entrando
em cena.
"E, Deus do Céu, lá estava ela sentada diante da divina Adélia, deusa-Amélia do lar, muito arrumada nos cabelos pintados e penteados em cabeleireiro". E uma inusitada proposta fará nossa protagonista repensar todo o roteiro.
"E, Deus do Céu, lá estava ela sentada diante da divina Adélia, deusa-Amélia do lar, muito arrumada nos cabelos pintados e penteados em cabeleireiro". E uma inusitada proposta fará nossa protagonista repensar todo o roteiro.
É justamente Adélia, tão tradicional, tão antiquada, tão Amélia, quem trará uma alerta a Alice: - A
vida não é um conto de fadas, minha filha.
Numa linguagem sutilmente cinematográfica, Alice, que também é cinéfila, descobrirá qual será seu script.
Numa linguagem sutilmente cinematográfica, Alice, que também é cinéfila, descobrirá qual será seu script.
Um
aviso. É interessante ler a Odisseia de Ulisses para compreender ainda melhor
os desvãos (e o desfecho) dessa paixão.
Alice & Ulisses
Ana Maria Machado
96 páginas
Editora: Nova Fronteira
Jornalista, artista plástica, escritora, Ana Maria Machado escreveu mais de 100 livros para crianças e adultos. Conquistou o prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Prêmio Nobel da LIteratura Infantil mundial. Em 2001, a Academia Brasileira de Letras lhe concedeu o maior prêmio literário nacional, o Machado de Assis, pelo conjunto da obra. É Presidente da Academia Brasileira de Letras.
Esse livro tem que ter uma menção especial. Além de ser minha prima por parte de pai (filha da minha tia avó Dinah e de Mário Martins, senador), é uma referência para mim. Uma bela mulher, culta, bem-sucedida que tem milhares de histórias para contar. E que por isso se tornou, não apenas uma das melhores escritoras de livros infantis do país, como excelente autora para todas as idades. Li Alice & Ulisses quando ainda estava na Faculdade, era um livro inovador, com uma linguagem moderna, ousada, intensa, bem ao estilo da época. Encantei-me com essa estreia da Ana Maria na literatura para adultos. E hoje, relendo a obra, continuo encantada.
Alice & Ulisses
Ana Maria Machado
96 páginas
Editora: Nova Fronteira
Jornalista, artista plástica, escritora, Ana Maria Machado escreveu mais de 100 livros para crianças e adultos. Conquistou o prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Prêmio Nobel da LIteratura Infantil mundial. Em 2001, a Academia Brasileira de Letras lhe concedeu o maior prêmio literário nacional, o Machado de Assis, pelo conjunto da obra. É Presidente da Academia Brasileira de Letras.
Esse livro tem que ter uma menção especial. Além de ser minha prima por parte de pai (filha da minha tia avó Dinah e de Mário Martins, senador), é uma referência para mim. Uma bela mulher, culta, bem-sucedida que tem milhares de histórias para contar. E que por isso se tornou, não apenas uma das melhores escritoras de livros infantis do país, como excelente autora para todas as idades. Li Alice & Ulisses quando ainda estava na Faculdade, era um livro inovador, com uma linguagem moderna, ousada, intensa, bem ao estilo da época. Encantei-me com essa estreia da Ana Maria na literatura para adultos. E hoje, relendo a obra, continuo encantada.
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