
"Ainda revejo o rosto, lembro o nome. Ele me diz que me
lembrarei a vida toda dessa tarde, mesmo quando tiver esquecido até seu rosto,
seu nome".
A história desse romance só vem à tona quando da publicação do livro em 1984,
quando a autora já está com 70 anos. Até então nada se sabia do fato, assim
como pouco se pôde comprovar de sua veracidade. No livro, além da relação com o chinês, a autora expõe a agruras de
uma adolescência precária, órfã de pai, com a mãe depressiva e dois irmãos – o
mais velho viciado em ópio, que acaba se tornando um “vagabundo de família”,
capaz de roubar a própria mãe.
A família caíra em desgraça
após a morte do pai, quando a mãe investira em terras inférteis pensando em
plantar arroz. É por essa época que sua mãe começa a ter episódios de depressão
até se tornar um dia quase irreconhecível para a filha. “Esse grande desânimo
de viver, minha mãe tinha todos os dias. Às vezes durava, às vezes desaparecia
com a noite.”
"Nas histórias dos meus livros que remetem à minha infância,
de repente, não sei mais o que evitei dizer, o que disse, acho que falei do
amor que sentíamos por nossa mãe, mas não sei se falei do ódio que também
sentíamos por ela e o amor que sentíamos uns pelos outros, e o ódio também
terrível, nessa história comum de ruína e morte que era a dessa família em
qualquer caso, de amor ou de ódio, e que ainda não consigo entender plenamente,
ainda me é inacessível, oculta no mais fundo da minha carne, cega como um
recém-nascido no primeiro dia de vida." “Quero escrever. Minha mãe pergunta, escrever o quê ? Livros, romances. Não é trabalho, diz ela, uma ideia de criança.”
A experiência de ler O Amante é como vivenciar um caleidoscópio de sensações, sem se ter certeza entre o que é real e o que é ficção nesse romance que se pretende autobiográfico. Influência de sua carreira no cinema, as cenas são descritas como se fossem um filme. Com flashes de
lembranças. A narrativa não transcorre de forma linear. Alternando a voz entre a primeira e a terceira pessoa, ora a autora fala de si mesma, ora fala da menina que se tornou amante do chinês rico, mais para fugir da pobreza do que por qualquer outra coisa. Em um momento, fala no
passado, em outro, no tempo presente. Num trecho revela fatos que aconteceriam muitos anos depois - como a morte da mãe e dos seus irmãos - , para em seguida retomar, sem ordem cronológica, a suas tardes de amor ilícito na
juventude. Sutilmente ela descreve passagens do relacionamento com o amante, que adorava banhá-la, cuidar dela, ao mesmo tempo em que a temia, sabendo que a ligação com uma menina tão jovem poderia leva-lo à prisão. "Durante todo o tempo da nossa história, um ano e meio, falaremos dessa maneira, nunca falaremos de nós. Desde os primeiros dias saberemos que é inconcebível um futuro em comum."
"A mãe não a impedirá quando ela for atrás de dinheiro. A filha
dirá: eu pedi a ele quinhentas piastras para o retorno à França. A mãe
dirá que está bom, que é o necessário para se instalar em Paris".

Quando chegamos ao fim do livro, ainda nos perguntamos se a autora
viveu o romance de forma tão distanciada quanto sugere ou se é apenas uma forma
de se proteger das lembranças.
O Amante
Marguerite Duras
1984
Marguerite Duras - Escritora, dramaturga e cineasta, nascida em 1914 na
Indochina Francesa (atual Vietnã) onde passou infância e juventude, mudando-se
posteriormente para a França.Durante a II Guerra Mundial, tomou parte da Resistência Francesa,
filiando-se também no partido comunista. Considerado o livro
mais autobiográfico da escritora (1914-1996), "O amante", escrito em
1984, recebeu o Prêmio Goncourt, o mais importante da literatura francesa e se
consagrou como sua obra mais célebre.
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