Segundo a sobrinha neta Elena, que foi sua secretária por décadas, Mário
Quintana costumava duvidar de que iria viver muito. Aos 30, achava que não
passaria dos 40. Aos 50, não chegaria aos 60. E como foi ficando, parou de fazer
afirmações “para não ficar repetitivo.” Pois Quintana viveu 87 anos como se
fosse um menino. De alma, gestos e sentimentos. E como produziu, o garoto.
Nascido em 30 de julho de 1906, na cidadezinha de Alegrete, começou a escrever
muito cedo e trabalhou em jornais a vida inteira. Além disso, fazia traduções –
foram mais de 130 ao longo da vida, passando por obras de Voltaire,
Virginia Woolf, Proust, Balzac. Para Quintana, ser poeta era um vício e
não uma profissão
Publicou seu primeiro livro, A rua dos cataventos, em 1940, aos 34
anos. A obra se diferenciava por apresentar sonetos tradicionais, quando a
literatura brasileira já havia sido chacoalhada pelo Modernismo de
1922. Sua aparição em terreno nacional aconteceria apenas em 1966 com sua
Antologia Poética, organizada por Paulo Mendes Campos e Rubem Braga. Considerado
"o poeta das coisas simples", com versos marcados pela ironia,
Quintana recusava qualquer tipo de rótulo, para si ou para sua poesia, que
pretendia livre de escolas e modismos literários. Ao contrário de seus
contemporâneos, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e João Cabral de
Melo Neto, não fazia poesia social. Buscava o lirismo tradicional, com um toque
de espontaneidade, o olhar atento sobre coisas
pequenas e emoções simples. Afirmava
que sua poesia era feita unicamente para atender a sua necessidade de
escrever. Até que tentou flertar com os contos, mas nunca se sentiu à vontade
com a prosa, com exceção da prosa poética. Dizia ele: “Bem que eu gostaria de
escrever contos. Mas isso de enredo me parece uma coisa para comadres...” Sua
produção ocupou o terreno do indefinível, inclassificável, cabendo aos críticos
literários a difícil tarefa de enquadrá-la em uma ou outra escola, o que
provavelmente nunca conseguiram.
Quando do lançamento de Apontamentos
de história sobrenatural, em 1976, o poeta contava já 70 anos e, ainda que
idoso, continuava uma criança, em vivacidade e entusiasmo. O livro, que
marcou seu retorno, após dez anos sem lançar uma obra inédita, chama atenção
logo no título: “Apontamentos” sugere anotações, notas em caderno escolar,
pensamentos de menino. Já “História Sobrenatural” remete a algo transcendente,
misterioso. São 146 poemas numa temática muito própria, que mescla
cotidiano, melancolia, nostalgia da infância e reflexões sobre o tempo e a
morte. Os poemas apresentam ainda uma grande variedade formal: poemas curtos
antecedem outros bastante longos, canções se avizinham a sonetos, tudo se
insere no estilo sem estilo do autor. Sobre a obra, disse o poeta: Eis o meu primeiro livro cujos poemas saem
mais ou menos na sua ordem cronológica. Porque antes se reuniam numa ordem
lógica: sonetos com seus companheiros de lirismo um tanto boêmio, canções com
suas irmãs de dança, quartetos filosofando uns com os outros, diante da
seriedade que se presume existir num simpósio, poemas em prosa proseando sobre
isto ou aquilo, poemas oníricos com suas perigosas magias de aprendizes e
feiticeiros.
No poema “De gramática e de
linguagem”,
analisa o fazer poético e mostra o quanto se delicia em
construí-lo:
Eu sonho com um
poema
Cujas palavras sumarentas
Escorram
Com a polpa de um
fruto maduro
Em tua boca.
Em "O autorretrato", esboça uma análise de si mesmo,
como quem se enxerga com olhos da fantasia:
“No retrato que me
faço
- traço a traço –
às vezes me pinto nuvem,
Às vezes me pinto
árvore (...)
O poeta também recorre a temas como morte e tempo,
lançando versos doces como:
“O domingo é um cachorro escondido
Debaixo da cama.”
Em "Interrogações",
Quintana divaga sobre a criação divina:
Nenhuma pergunta
demanda resposta.
Cada verso é um
pergunta do poeta.
E as estrelas...
As flores...
O mundo...
São perguntas de
Deus.”
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O poeta menino
Mário Quintana faleceu em 05 de maio de 1994, aos 87 anos. Sua poesia
jamais morrerá. Como ele bem o definiu, em um de seus célebres poemas
"Eles passarão. Eu passarinho."
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