quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Livro 17: O Anjo Pornografico. Vida de Nelson Rodrigues (Ruy Castro)

Como disse o autor logo na introdução, não há jeito de contar a história do escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues e de sua família, a não ser em forma de romance. Com lances trágicos e rocambolescos, sua vida consegue superar até mesmo a ficção que ele levou para os livros, com toda crueza e fascínio capazes de existir na vida como ela é.Em "O Anjo Pornogáfico", Ruy Castro preocupa-se, não em analisar criticamente a obra de Nelson Rodrigues, mas as circunstâncias em que ela foi produzida. Ou seja, os bastidores, o cotidiano, o pensamento, as emoções que inspiraram a vida de um dos nossos mais famosos - e polêmicos - escritores e dramaturgos.
Para Ruy Castro, Nelson era mais que um homem de teatro. Se houve um palco principal em sua vida, seriam as instalações do jornal. Ou até mesmo as ruas - especificamente do Rio de Janeiro dos anos 40, 50, 60.
Ninguém melhor do que ele para retratar o dia a dia comum de gente comum, com todas as suas imperfeições, obsessões, medos, taras, paixões.
Pagou um preço. Foi chamado de tarado durante anos. E no fm da vida, de reacionário. Foi perseguido pela direita e pela esquerda. Por cristãos e ateus. Porém, seu talento era inquestionável.
Para escrever O anjo pornográfico, Ruy Castro realizou centenas de entrevistas com 125 pessoas que conheceram intimamente Nelson Rodrigues e sua família, cujos dramas mais parecem folhetins. Quinto filho dos 14 de Mário Rodrigues e Maria Esther, Nelson nasceu no Recife. Seu pai, letrado e leitor voraz, conciliava atividades políticas e jornalisticas. Depois de várias incursões na política e em jornais do Recife, acabou indo parar no Correio de Manhã, no Rio de Janeiro, para onde sua esposa o seguiu com uma escadinha de filhos.
Nelson começou a frequentar a escola e aprendeu a ler "quase de estalo". Mas o que chamava a atenção sobre sua figura era "sua cabeça enorme, desporporcional ao tronco." Aos oito anos, no segundo ano primário, a professora quase deixou cair os óculos ao ler a redação do menino: um caso de adultério onde o marido chega em casa e encontra a esposa nua na cama e um vulto saindo pela janela.
Essa temática estaria presente em toda a obra de Nelson. Mas antes disso, ele passaria anos trabalhando em jornais. Primeiro, os do seu pai, A Manhã (tinha apenas 13 anos e meio) e Crítica, onde também teriam cargos seus irmãos Mário Filho, Milton e Roberto. E posteriormente, em O Globo, de Roberto Marinho.  Ainda em A Manhã, Nelson em pouco tempo tornou-se editorialista, ao lado de Monteiro Lobato e Agripino Grieco.Tinha 16 anos.
Em 1928 seu pai começa outro projeto - Crítica, um jornal de editorial ainda mais agressivo, cujo lema era "Declaramos guerra de morte aos ladrões do povo". O forte eram as fotos dos políticos com as cabeças distorcidas. Mas como o jornal tinha uma tendência de dar ênfase tanto a fatos políticos, quanto ocorrências criminais, um dia uma matéria excedeu no tema e, ao comentar um caso de desquite, tornou-se palco de um assassinato. No dia 27 de dezembro,  a jovem Sylvia Seraphim adentrou a redação do jornal procurando por Mário Rodrigues ou qualquer um de seus filhos. Ao ser atendida por Roberto, desferiu um tiro em seu abdômen que alojou-se em sua coluna. Ele morreu dias depois, deixando a familia desolada. Foi a primeira grande tragédia da vida de Nelson Rodrigues. 67 dias depois, seu pai Mário Rodrigues, que jamais se recuperara do golpe, morre de derrame.
Esses dois acontecimentos dão o tom do que seria a vida de Nelson dali para a frente. Para se recuperarem do baque financeiro, Mário Filho e Nelson vão trabalhar no jornal O Globo, de Roberto Marinho. Nelson contrairia uma tuberculose que o acompanharia por 15 anos, além de várias outras complicações de saúde. Nos periodos em que se internava em sanatórios para se tratar, nunca deixou de receber seu salário no jornal O Globo.
Entre uma e outra internação, casou-se com a jovem Elza, que conhecera no jornal. Tanto a família dela quanto o próprio Roberto Marinho se opuseram ao casamento. A mãe dela, porque ele era pobre  e "não tinha onde cair morto". Marinho, porque apesar de brilhante, o rapaz era preguiçoso e doente. Não adiantou. Casaram-se secretamente no civil até que família dela concordasse com o casamento religioso.
Trabalhando em dois jornais, Nelson começou a enveredar pelo caminho do teatro. Escreveu A Mulher sem Pecado, que conseguiu boas críticas e em seguida Vestido de Noiva. Essa sim, uma revolução no teatro. Vieram outras grandes obras como Beijo no Asfalto, Boninha mas Ordinária, os Sete Gainhos. Nelson continuaria escrevendo suas célebres colunas em O Globo e Última Hora (de Samuel Wainer). E acabaria se envolvendo com outra mulher, Lúcia. Ao separar-se de Elsa para casar com o novo amor, tinha 49 anos e filhos já adultos. Ele e Lúcia tiveram uma filha, Daniela, que nasceu com um grave problema, cega e condenada a viver sobre uma cama. Mais um entre tantos dramas que permearam a vida do grande autor.
Até o fim da vida, Nelson Rodrigues foi um homem polêmico, que dividia opiniões entre os que o amavam e o odiavam. Na política, foi considerado um reacionário. Na arte, um tarado. Sua obra, porém, não deixa dúvidas sobre  a grandiosidade de seu talento. Mas talvez a melhor definição dele  tenha vindo do próprio Nelson:
"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico”.


O Anjo Pornográfico.
Ruy Castro
Companhia das Letras
1993
Prêmio Jabuti 1993 de Melhor Capa


Quando li: 1995
Como adquiri: comprado em livraria.

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