quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Livro 2: Ensaio sobre a Cegueira (José Saramago)

"Acho que não ficamos cegos. Acho que sempre fomos cegos.
Cegos apesar de conseguirmos ver.
Pessoas que conseguem ver, mas não enxergar."
(José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira)

Publicado inicialmente em 1995, esta obra do vencedor do Prêmio Nobel, José Saramago, mostra como a perda de um dos sentidos pode provocar o caos numa sociedade. Começa com uma repentina cegueira que abate os habitantes de uma cidade, de forma avassaladora, inexplicável e incurável. Trata-se de uma “cegueira branca”  - as pessoas infectadas percebem em seus olhos apenas uma superfície leitosa. A estranha doença atinge inicialmente um motorista parado no semáforo. À medida que a cegueira alcança, pouco a pouco, outros habitantes, não importando o sexo, raça ou classe social, o pânico e a paranoia contagiam a cidade. As pessoas afetadas são colocadas em quarentena num hospício abandonado, onde passarão a (sobre)viver em condições desumanas, com alimentação escassa e em meio a desordem, lixo e caos. 
É quando cada um deles cede, pouco a pouco, aos mais básicos instintos, pela sobrevivência, quase chegando à barbárie. Em meio a tudo isso, uma única pessoa, a esposa do médico infectado, ainda dispõe de visão e esconde o fato para permanecer ao lado de seu marido. É ela que servirá de guia para que as pessoas possam se locomover, alimentar e encontrar meios sobreviver.  Bem ao estilo de Saramago, as falas entre vírgulas forçam o leitor a um verdadeiro mergulho nas palavras, acompanhando a narrativa de um só fôlego.
Uma peculiaridade de "Ensaio sobre a Cegueira", bem ao estilo do autor portugês é que nessa obra nenhum personagem tem nome. São denominados “o médico”, “a esposa do médico”, “a prostituta”, “o ladrão” mostrando que essas pessoas perderam até mesmo a identidade de seu próprio nome. Ao mesmo tempo, mostra como uma “cegueira coletiva” pode alcançar e devastar  tudo e todos ao seu redor, fazendo com que os seres humanos percam seus valores mais caros, a moral, o respeito pelo próximo e por si mesmo e até mesmo a dignidade. 
Trata-se de uma metáfora para o desmoronar completo da sociedade que, por causa da cegueira, perde tudo aquilo que considera como civilização. É como se a cegueira fosse um símbolo da cegueira intelectual, a confiança cega em ideais perdidos, um povo oprimido, que, ainda assim, cultua seu ditador. Ou uma população cuja inteligência é embotada pelo lixo cultural oferecido pela indústria de comunicação de massa.
Pode ser também interpretado como uma metáfora de tudo aquilo que está longe dos olhos. Quando não se vê o caos a sua volta, é mais fácil suportá-lo.
 "Ensaio sobre a Cegueira" termina com todos, gradativamente, voltando a “enxergar”, a começar pelo primeiro que contraíra o "mal branco". Mas o final revelará ainda uma surpresa desconcertante.




“O sinal verde acendeu-se enfim, bruscamente os carros arrancaram, mas logo se notou que não tinham arrancado todos por igual. O primeiro da fila do meio está parado, deve haver ali um problema mecânico qualquer, o acelerador solto, a alavanca da caixa de velocidades que se encravou, ou uma avaria do sistema hidráulico, blocagem dos travões, falhas do circuito elétrico, se é que não se acabou simplesmente a gasolina, não seria a primeira vez que se dava o caso. O novo ajuntamento de peões que está a formar-se nos passeios vê o condutor do automóvel imobilizado a esbracejar por trás do pára-brisas, enquanto os carros atrás dele buzinam frenéticos. Alguns condutores já saltaram para a rua, dispostos a empurrar o automóvel empanado para onde não fique a estorvar o trânsito, batem furiosamente nos vidros fechados, o homem que está lá dentro vira a cabeça pra eles, a um lado, a outro, vê-se que grita qualquer coisa, pelos movimentos da boca percebe-se que repete uma palavra, uma não, duas, assim é realmente, consoante se vai ficar a saber quando alguém, enfim, conseguir abrir uma porta, Estou cego.”
( págs.. 11-12).

Editora: Companhia das Letras
Autor: José Saramago
Ano: 1995


Quando li: 1996

Li o livro que foi dado de presente ao meu marido, Aloisio Rocha. Fiquei encantada com Saramago.

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